Bolsonaro: basta!
Humberto Dantas
Terça-feira dessa semana me encontrei com o texto do professor José Eduardo Faria no Estadão. Como sei que sua assinatura é grife intelectual, me ative à leitura. Em sua análise ele se diz preocupado com o que chama de “marcha da insensatez” liderada em ritmo crescente por um presidente “autocrata, vulgar, ignaro” e insensível. Os exemplos se seguem:
– Bolsonaro diz que estão esticando a corda e o exército é verde oliva, afirmando fazer qualquer coisa “pelo meu povo”;
– O Executivo ameaça reitores e professores em universidades públicas tratando da liberdade de cátedra;
– Também existem ameaças ao Ipea em tom de censura a resultados analíticos;
– No setor cultural, o negacionismo deu origem à ideia de financiamento de atividades presenciais, ignorando a pandemia;
– Na área jurídica, a Lei de Segurança Nacional está sendo utilizada em ritmo crescente, o mesmo não ocorrendo no combate à corrupção;
– Nos cargos estratégicos indicados pelo presidente nos organismos de justiça, os currículos são medíocres;
– A mediocridade também caracteriza a escolha de ministros na educação, saúde, justiça, relações exteriores e meio ambiente.
Dialogando diretamente com esses pontos, gostaria de reforçar o temor com base na Teoria Institucional de Douglass North. Primeiro: instituições formais passam longe da perfeição. Basta olhar a insanidade e a incapacidade do Executivo, a subserviência e a leniência do Legislativo e o ativismo doentio do Judiciário. Ademais, as instituições informais, em lógica path dependece, têm sido exploradas pelo discurso de Bolsonaro, causando o maior de todos os desconfortos.
Numa democracia, as péssimas escolhas dos cidadãos, e consequentemente a absoluta ignorância de quem é eleito, vitima a própria cidadania. Mas sob essa lógica relativa, Bolsonaro seria mais um degrau pedagógico em imensa escalada de amadurecimento político. A mediocridade de suas escolhas em campos de políticas públicas é, em termos presentes, o que existe de pior num instante assombroso. E em termos futuros a garantia de que dia 1º de janeiro de 2023 ele escolherá, no máximo, o destino de suas férias. O que ficará de legado abominável é sua ineficiência, e os mandatos “vitalícios” de ministros do STF e do STJ indicados por ele e cegamente aceitos pelo Senado.
Mas lembremos: governos do PT foram acusados de alguns dos pontos de Faria. No STF existe um ministro que advogava para o partido e até hoje não tem currículo digno de tal função. Petistas ameaçaram o Brasil com invasões vermelhas dos Sem-Terra em instantes de dificuldades, ou se escoraram em falas agudas do MST. Lula esbravejou publicamente contra o IBGE quando este disse que a obesidade era um mal maior que a fome. No setor cultural, a despeito do terror atual de se fazer algo presencial, a agenda à esquerda deu dinheiro até a filme sobre a infância de Lula, e no jardim da residência oficial foram plantados vegetais vermelhos em forma de estrelas fantasiadas de canteiros. Para o senso comum a corrupção foi uma marca de anos e o então novo marco das comunicações de Dilma era um convite à censura. Pronto. Traumas todos os governos criam. Todos impõem. E o pior é aquele que está em curso. Certo?
NÃO. Absolutamente errado. O PT governou o Brasil sob fortes críticas de diferentes setores da sociedade. Isso se agravou a tal ponto que criou um tsunami antipetista que nos trouxe dúvidas sobre o papel da Justiça, e nos deu Bolsonaro como resposta. Democraticamente eleito por um povo que temia algo imaginário, o fato é: nunca me senti fustigado por não admirar a dupla Dilma/Lula. E mesmo sob as ameaças de um abril vermelho no campo, nunca acreditei que movimentos radicais favoráveis a uma necessária reforma agrária afrontavam minha vida. O mesmo não se pode dizer de Jair Messias Bolsonaro. Ademais, o máximo que Lula e Dilma fizeram diante de críticas agudas foi dizer que não ouviam, ou não estavam interessados. Os manifestos de 2013 até 2016, por exemplo, sob os comentários de Miguel Rossetto e Gilberto de Carvalho eram assombros. Mas só davam fôlego à oposição e à raiva. E chegavam a ser risíveis.
Bolsonaro não dialoga. Ele é baixo, vil. Se ancora numa instituição informal em forma de trauma histórico que nunca ancorou o PT. Se serve das forças armadas e de seu apreço inconstitucional pela ditadura para ameaçar. E esse é o ponto que enoja. Bolsonaro flerta com a ditadura. Nunca passei UM ANO de minha vida, desde 1999 quando comecei a ser ouvido como cientista político, sem responder algo sobre riscos de intervenção militar diante dos mais absurdos argumentos. Por mais que sempre tenha dado de ombros e repetido que isso era irreal, Bolsonaro flerta com isso de forma concreta. Um presidente convicto como parlamentar, que nunca foi punido por seus pares em seus arroubos deve ouvir diuturnamente que devaneios têm limite. Mas não. Há quem aplauda, pois tão conservador quanto o senso comum é o autoritarismo nesse país. Assim, se não é pela voz de Bolsonaro e sua horda, que seja pelo Legislativo. Mas este não parece interessado em ameaçar o mandato real. A Câmara, por exemplo, passou dias tentado se blindar do Judiciário, e o Congresso ainda discutia o orçamento desse ano em março. O STF deu um telefonema, mas parece que passou da hora de termos garantias de que a inconsequência “do Mito” é fruto de um comportamento irresponsável que arrebanha seguidores oportunistas ou débeis. A Constituição basta? Se bastasse estaríamos a rir da loucura do Planalto, e textos assim seriam os reais devaneios. Se bastasse, talvez o presidente sequer abrisse a boca para dizer o que ouvimos. Basta!