Michelle Fernandez e Andressa Pellanda

A Proposta de Emenda à Constituição Emergencial é parte de um pacote de emendas constitucionais sugerido pelo atual Ministro da Economia, Paulo Guedes, com o intuito de “reequilibrar as finanças do Estado”. Em termos gerais, a PEC 186/2019 pretende cortar gastos públicos e, na visão da pasta, facilitar a gestão do orçamento estatal, adotando medidas como a redução salarial de servidores, suspensão de concursos e até mesmo a extinção de municípios que seriam incapazes de se sustentar financeiramente. Além disso, retomada nas últimas semanas, a discussão da PEC Emergencial, além de recriar o auxílio emergencial para pessoas em condições de vulnerabilidade durante a pandemia, prevê o fim dos mínimos de gastos em saúde e educação, tanto na União quanto em estados e municípios.

Assim como afirmou Araré Carvalho no último texto do Legis-Ativo, a discussão da PEC 186/2019 em tempos de pandemia foi uma janela de oportunidade para retomar parte da agenda econômica do Governo Bolsonaro. Alguns autores têm analisado os direitos sociais dentro dessas agendas de reformas em momentos de crise. Essas mudanças vêm acompanhadas de redução do papel do Estado e de construção de parcerias público-privadas. Na área da educação, por exemplo, essas reformas têm sido chamadas de “privatização por desastre”.

Nesse contexto, quais as consequências, a médio e longo prazo, das medidas propostas pela PEC 186/2019 em temas de saúde e educação? Primeiramente, é fundamental apresentar o cenário da saúde e da educação públicas durante os últimos doze meses de pandemia. Na área da educação, sob a EC 95, do Teto de Gastos, com cortes nos repasses do governo federal tivemos a menor execução orçamentária da década. As políticas emergenciais foram, ainda, construídas sem diálogo com a realidade de estudantes e professores, que sequer tinham acesso a computadores ou tablets e internet para realização das atividades remotas desenvolvidas pelas redes de ensino. Na saúde, a pandemia chegou em meio ao desfinanciamento e desconstrução de uma série de políticas dentro do Sistema Único de Saúde. Assim como aconteceu com a educação, o Teto dos Gastos inviabilizou o bom funcionamento das políticas de saúde pública no Brasil antes mesmo da chegada da COVID-19 ao país, em fevereiro de 2020. Durante a pandemia, a ausência de coordenação das políticas públicas de saúde pelo Ministério da Saúde junto a estados e municípios inviabilizou uma reorganização adequada do SUS para enfrentar a COVID-19. Essa atuação insuficiente do Governo Federal incidiu negativamente no combate à disseminação do vírus e na atenção adequada às pessoas que necessitam aceder ao sistema de saúde.

Diante desse cenário cheio de desafios, a PEC 186/2019 foi colocada em pauta e deve impactar enormemente nas políticas de educação e saúde. De acordo com Nota Técnica publicada ontem, 01/03, pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação e pela Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), a PEC 186/2019 pode causar redução de R$ 95,7 bilhões nos investimentos em educação pública para estados, DF e municípios. A PEC ainda revoga trechos dos artigos 212 e 212-A da Constituição Federal de 1988, desfazendo um mecanismo de distribuição de recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), recém aprovado, no segundo semestre de 2020, pelo Congresso Nacional. Na saúde, a PEC Emergencial tem um potencial de debilitar o SUS por completo. Em tempos de pandemia, com forte aumento dos gastos em saúde para os entes subnacionais, possibilitar uma redução dos investimentos federais nessa área pode inviabilizar o funcionamento das políticas de saúde justamente no momento em que elas são mais importantes para a sociedade.

Em um contexto de aprofundamento das desigualdades regionais, é fundamental garantir o investimento em saúde e educação. Esses dois temas, fortemente afetados pela pandemia no país, são muito caros à sociedade. Para a retomada plena das atividades educacionais e para garantir assistência à saúde dos brasileiros e brasileiras nesse momento de emergência sanitária, se faz necessária a manutenção do piso constitucional para saúde e educação. Esperamos que o Congresso Nacional, que atuou ativamente em favor das políticas de saúde frente à inércia do Ministério da Saúde e que aprovou por quase unanimidade o novo Fundeb, não compactue com os retrocessos em temas de saúde e educação propostos pelo Governo Federal.