Conselho de Goiânia: a institucionalização do poder das famílias tradicionais na política brasileira
*Texto de autoria de Leandro Monteiro dos Santos, economista pela Universidade Federal de Goiás, com pós-graduação em Liderança e Gestão Pública pelo Centro de Liderança Pública e mestrando em Cidades pela London School of Economics.
Após arranjo político, articulado pela Câmara Municipal, com a aprovação de uma resolução que permitiu aos eleitos em novembro de 2020 tomarem posse de forma remota, Goiânia teve o seu prefeito eleito, Maguito Vilela, empossado mesmo estando internado fora de seu domicílio, em São Paulo, no hospital Albert Einstein, devido às complicações de Covid-19, configurando uma situação jamais vista antes.
Doze dias depois da posse, o prefeito empossado Maguito Vilela, lamentavelmente, faleceu e a cidade de Goiânia passou a ser administrada por Rogério Cruz, vice-prefeito eleito e agora, oficialmente, prefeito. A posse definitiva de Rogério Cruz causou estranheza na população goianiense, primeiramente devido a sua origem, carioca; por nunca ter tido um cargo de expressão pública importante, exceto o de vereador; e depois por ser pastor da Igreja Universal, deixando mais claro ainda o objetivo do arranjo político, baseado numa correlação de força entre igreja e política que, apesar da estranheza citada, não foi criticado pela população e pela imprensa de Goiânia.
Desde que assumiu o cargo, o modelo de gestão adotado por Rogério Cruz remete a uma estrutura de governança ultrapassada, em muito, parecida com as oligarquias e com o coronelismo, pelos quais os estados do Brasil foram condenados durante muito tempo. A mais recente ação de Rogério, parecida com essa famigerada estrutura, veio à tona na última quarta-feira, 27, e diz respeito à criação de uma espécie de cúpula, denominada Conselho Político de Apoio ao Prefeito.
Esse Conselho, criado a partir de decreto, segundo publicação em Diário Oficial, objetiva “auxiliar a tomada de decisões, o desenvolvimento de planos e o acompanhamento de ações governamentais no âmbito municipal”, além de funcionar por período indeterminado. A criação do referido Conselho deixa alguns rastros duvidosos, que valem a pena ser avaliados. Isso porque, para compor o quadro de conselheiros, o prefeito pastor convidou Daniel Vilela, Leandro Vilela e Gean Carlo Carvalho, filho, sobrinho e cunhado, respectivamente, do prefeito eleito, já falecido, Maguito Vilela.
Se, até então, o prefeito Rogério Cruz se comprometeu de forma duvidosa, desde sua origem, porém sem ser criticado, agora, a criação de um Conselho, com bases políticas obsoletas e antidemocráticas, precisa ser avaliada criticamente. Embora não se trate de uma atividade remunerada, segundo o decreto, a escolha desses nomes para desenvolver ações altamente influentes, com movimentações diretamente ligadas ao gabinete da prefeitura, remonta a um ar de conchavo, baseado em conveniências políticas com o MDB e uma possível manutenção de um regime oligárquico, coronelista, sem esquecer a ligação direta com o poderio eclesiástico.
É importante lembrar que, em seu currículo, Rogério Cruz diz ter formação nas áreas de gestão pública e administração, além de já ser participante da vida pública desde 2012, quando foi eleito vereador. Segundo o que consta no Diário Oficial, o conselho proposto por ele será responsável por, dentre outras coisas, “propor as medidas necessárias ao adequado desenvolvimento da cidade”. É indagável, portanto, que uma figura com conhecimento desejável sobre os trâmites que envolvem a administração pública, precise de um Conselho à sua disposição para deliberar sobre a cidade da qual é gestor.
O decreto de Rogério Cruz, na verdade, mais parece uma tentativa de “fatiar” o poder de decisão, sem ferir sua política de boa vizinhança com o partido que, a propósito, foi o responsável por tê-lo colocado na cadeira de prefeito e, justamente por isso, fica evidente o motivo da escolha dos nomes que compõem o conselho. Aqui, convém afirmar que os votos depositados em uma chapa, não são e nem podem ser transferidos para a família do candidato, como parece estar acontecendo.
Em uma grande articulação política, a família de Maguito Vilela, com forte personificação no filho, Daniel, busca espaço de coordenação da cidade, exercida até então de maneira informal, agora oficializada. O importante a ser dito é que o principal pilar da política brasileira, da qual Goiânia faz parte, é a democracia. A política exercida por meio de dinastias e coronelismos, apesar de defasada e inconsistente, persiste a latejar na conjuntura brasileira atual. O desejo inacabável pelo recurso público é o que faz situações usurpadoras, deste nível, acontecerem. É como se não fosse apenas um histórico da política brasileira, mas uma herança impactante da tradição familiar que precisa ser quebrada.
Como pastor e conhecedor da gestão pública, Rogério Cruz deveria saber que o modelo de governo que tenta emplacar é, em primeiro lugar, amoral e, em segundo, incompatível com os princípios democráticos que regem o país. Condições que deveriam ser conhecidas também por Daniel Vilela e demais consanguíneos de Maguito que querem, a qualquer custo, botar a mão sobre a vida dos goianienses. Cabe ao povo lutar para que o repulsivo domínio não se estabeleça.