Bruno Souza da Silva

A bola da vez são as possíveis interpretações acerca do que ocorreram nas urnas no último domingo, 15 de novembro. Mas, diferentemente do que muitos meios de comunicação e analistas têm enfatizado, a respeito de quem ganhou e quem perdeu nas mais de 5 mil prefeituras do país e como isso impacta no crescimento ou retração dos partidos a nível nacional, quero chamar atenção para as câmaras municipais. Infelizmente, como de costume, o universo da maior classe política do país – os mais de 57 mil parlamentares municipais – ainda continua sendo menosprezado ou relegado a um segundo plano. Como se prefeitos automaticamente governassem sem passar pelo crivo do Parlamento, não precisassem formar maioria ou o Legislativo não importasse. Basta observar o mundo real da política local por alguns segundos e essa percepção cai por terra. Adjetivos para qualificar as câmaras abundam: lócus do fisiologismo, “despachantes de pequenas causas”, legisladores de nome de ruas, e por aí vai. Não que os Legislativos municipais sejam o reino da virtude política, estamos longe disso. No entanto, é preciso virarmos um pouco mais a chave para entendermos o que acontece por ali e compreendermos os resultados das urnas e os desafios dos novos governantes para os próximos quatro anos. Abordarei essa temática a partir do desempenho dos partidos e de algumas novidades na representação política.

Ao observar os resultados globais do pleito chama a atenção a maior fragmentação partidária, a exemplo do que já observamos nacionalmente em 2018 quando 30 partidos passaram a ter representação política no Legislativo nacional e, agora em 2020, idem. Nos municípios, dois partidos grandes, MDB e PSDB, continuam a encolher desde as eleições municipais de 2004. Exceto o PSDB em 2016 comparado à 2012 quando havia obtido tímido crescimento ao sair de 5.260 vereadores para 5.364. Fora isso, a queda de ambas as siglas é ininterrupta e, nas eleições 2020, os tucanos podem ter sentido o “baque” mais forte. Perderam 987 vereadores no país ao compararmos 2020 com 2016. Saíram de segundo maior partido em termos de representação política para o quarto lugar. Observaram outros partidos de direita e de centro crescerem: PP, que aumentou 34%, saindo de 4.743 em 2016 para 6.346; DEM, com crescimento de quase 50%, ao sair de 2.905 vereadores em 2016 para 4.341 em 2020, chegando próximo ao patamar que possuía há 12 anos, em 2008 (4.802 vereadores) e; PSD, o qual havia nascido grande ao disputar as eleições de 2012 e obter mais de 4 mil cadeiras para vereador, sendo que cresceu expressivamente agora em 2020 quando comparado a 2016, tornando-se o terceiro maior partido (saiu de 4.639 para 5.694). De modo geral, os partidos que estão na centro-direita para a direita, cresceram nos municípios, além das siglas já citadas, REPUBLICANOS e PL avançaram também. O que os eleitores rechaçaram nas urnas foram radicalismos à direita, ao menos nas câmaras municipais.

No campo da centro-esquerda e esquerda, a maioria dos partidos perderam em representação política. A despeito do entusiasmo dos simpatizantes, a esquerda segue desorganizada e sendo a minoria tanto à frente das prefeituras quanto das câmaras municipais. É fato que algumas candidaturas ao Executivo, como a de Guilherme Boulos em São Paulo, tenha animado a militância e criado esperanças para o avanço de tais partidos a longo prazo, além do importante surgimento de novas lideranças. No entanto, não há tantas razões assim para comemoração dessa família de partidos. Apenas para o PSOL, o qual cresceu quase 60% em relação ao que era nos municípios, saindo de 56 cadeiras em 2016 e indo para 89 agora em 2020. Ainda assim não podemos desconsiderar o fato de continuar sendo um partido nanico em termos de capilaridade política. A diminuição mais expressiva na representação política foi do PV, o qual saiu de 1.522 vereadores eleitos em 2016 para 805 em 2020 e; do PCdoB, o qual possuía 1.002 vereadores em 2016 e, agora, contará com 694. Fora eles, PSB, PDT e PT também amargaram derrotas ao perderem força em vários municípios.

Portanto, se por um lado há um sopro de esperança para os que desejam ver mudanças nas urnas, como a eleição de transexuais e mais negros que em 2016, o que é muito importante em termos de voz e pluralidade de demandas, ideias e valores projetados na esfera pública, por outro lado o perfil dos vereadores praticamente se manteve inalterado. Continuamos a eleger mais homens, brancos, casados e com média de idade na casa dos 44 anos e filiados a partidos de centro-direita e direita. No caso da representação das mulheres, embora essa tenha sido a primeira eleição municipal na qual os partidos tiveram que direcionar 30% dos recursos de financiamento de campanhas para elas, ainda assim avançamos muito pouco na representação feminina. Das cerca de 13% das mulheres eleitas em 2016, chegamos à 16% agora em 2020. As eleições municipais de 2020 para as câmaras municipais mostraram um Brasil que avançou em algumas pautas identitárias e de minorias, mas dentro da velha lógica de mudar tentando não tirar nada do lugar. A conferir como tais representantes se comportarão nos próximos quatro anos. Esse é o nosso dever como cidadãos.