Vítor Sandes e com Raul Bonfim

No próximo domingo, 15 de novembro, teremos as eleições municipais em que serão escolhidos prefeitos e vereadores de 5.570 municípios brasileiros. Estas eleições, além de terem inovações, como o fim das coligações eleitorais para a disputa de vereador, acontecem em um contexto adverso imposto pela pandemia de Covid-19. Caberá aos próximos prefeitos definirem os rumos das políticas públicas municipais para os próximos quatro anos e, para isso, devem buscar fontes para viabilizar ações que visem minimizar os efeitos da pandemia.

Sabemos que os municípios brasileiros, em grande parte, já eram fortemente dependentes de repasses federais, principalmente do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), responsável pelo maior montante de valores recebidos por estados e municípios. Para agravar a situação, os municípios têm passado por uma queda na arrecadação de impostos, devido à diminuição da atividade econômica. Ou seja, os municípios se tornaram ainda mais dependentes dos recursos federais, incluindo aqueles destinados via emendas parlamentares.

De acordo com o Instituto Fiscal Independente (IFI), os investimentos públicos federais previstos na Lei Orçamentária Anual (LOA) do governo para 2021 devem atingir o menor patamar desde 2010. Na proposta do Executivo, foi apresentado um valor para investimentos que corresponde a um terço do que foi gasto em 2010, em valores corrigidos pela inflação do período (em 2020, está previsto R$ 25,9 bilhões para investimentos, e em 2010, foram gastos R$ 77,2 bilhões). Em resumo, os prefeitos contarão com menos recursos para lidar com os novos desafios impostos pela pandemia.

Como tem sido recorrente nos artigos escritos para o Legis-Ativo, temos mostrado que as emendas parlamentares servem para garantir que os programas e as ações do Plano Plurianual (PPA), propostos pelo Executivo, discutidos, redefinidos e aprovados pelo Legislativo, sejam, de fato, implementados. É de interesse do Governo Federal, dos parlamentares e da sociedade que os recursos destinados aos municípios via emendas sejam executados de forma mais célere possível. Os novos prefeitos que assumirão os Executivos municipais em 2021 também terão anseios por recursos e, neste caso, algumas alterações no processo de execução do orçamento feitas em 2019 pelo Congresso Nacional poderão possibilitar um acesso menos burocratizado a esses recursos financeiros.

Este processo de modificação do orçamento federal, que tem levado a um maior acesso e garantia da execução e pagamento dos recursos de emendas aos municípios brasileiros, têm ocorrido desde 2013, quando foi possível observar um movimento do Congresso Nacional em busca por mais autonomia em relação a sua participação no orçamento federal. Durante a apreciação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2013, referente ao exercício financeiro de 2014, os parlamentares anexaram um dispositivo no projeto de lei que garantia a execução obrigatória das emendas individuais aprovadas na LOA. Por conseguinte, em 2015, essa regra ganhou um caráter definitivo, por meio da Emenda Constitucional n° 86 de 2015. Com as novas regras, as emendas aprovadas devem ser executadas em até 1,2% da Receita Corrente Líquida (RCL) do ano anterior, sendo que metade desses recursos devem ser destinados para a área da saúde. Além disso, no ano passado, o Congresso também tornou de execução obrigatória as emendas de bancadas estaduais, em um limite de 1% da RCL do ano anterior (EC nº 100 de 2019).

Mesmo as emendas sendo de execução obrigatória, elas devem, no entanto, ser inseridas em programas e ações do PPA elaborado pelo governo, ou seja, emendas fazem parte da agenda de políticas públicas do governo. Além disso, o Poder Executivo pode deixar de executá-las em caso de problemas de ordem técnica legal. Para o ano de 2018, por exemplo, 38,7% das emendas individuais apresentadas apresentaram problemas técnicos, sejam totais ou parciais.

Entretanto, no final de 2019 houve uma nova mudança na participação dos parlamentares no processo orçamentário. O Congresso Nacional, por meio da EC nº 105 de 12 de dezembro de 2019, criou uma nova modalidade de transferência de emendas: as transferências especiais. De acordo com o texto da EC, os parlamentares ficam livres para alocar emendas individuais no projeto da LOA sem que estas tenham uma definição prévia. Mais especificamente, os recursos das emendas passam a ser repassados diretamente para a  localidade (Estados ou municípios), podendo ser gasto de acordo com a indicação do próprio ente beneficiado. Isto é, as emendas não precisam mais estar vinculadas às programações do Executivo. Além disso, a nova modalidade de transferência retira a obrigatoriedade  de celebração de convênio ou de instrumento congênere. Por regra, é vedada a celebração de convênios com valor inferior a 100 mil reais, no caso de obras ou serviços de engenharia, inferior a 250 mil reais. Com a nova mudança, os parlamentares ficam livres para destinar qualquer quantia para as localidades de seu interesse.

De acordo com o Ministério da Economia, para o orçamento que está sendo executado este ano, já foram pagos quase 600 milhões de reais em transferências especiais, beneficiando em torno 1.550 entes com emendas. Ainda que esses recursos tenham o potencial de chegar com mais facilidade às localidades, eles, no entanto, podem se desviar da agenda mais ampla de políticas do governo. Logo, é preciso acompanhar se as demandas da sociedade serão atendidas por meio dessas transferências, considerando os desafios impostos pela pandemia aos municípios brasileiros.

Assim, com a desburocratização da execução e pagamento desses recursos, a população poderá ter acesso às benfeitorias geradas pelas emendas. Mas, é preciso também que haja priorização, contemplando, primariamente, aqueles municípios com piores indicadores socioeconômicos, que, sozinhos, não são capazes de financiar políticas públicas adequadas à população em situação de vulnerabilidade social.