Araré Carvalho

Ao responder a jornalistas, ontem à tarde, sobre a possibilidade de votação da PEC do auxílio emergencial ficar para a próxima terça-feira 02/03, o presidente do senado Rodrigo Pacheco (DEM-RO) disse: “[…] não haverá prejuízo, se, eventualmente, precisar passar para a terça-feira, não haverá tanto prejuízo assim. Embora a gente tenha lutado muito e estamos lutando para viabilizar o auxílio o mais rapidamente possível”.

A preocupação do senador com o retorno, o mais rápido possível, do auxílio emergencial é louvável. No entanto, a pressa na aprovação esconde outros interesses que vão além de amenizar a situação de precariedade de boa parte da população. Nesse ponto já existe um atraso de poucos meses.

E esses “outros interesses” pegaram muito mal no Senado, ou seja, a tentativa de, sob o manto de se aprovar uma ação emergencial, “enfiar goela abaixo” da sociedade uma série de mudanças, no mínimo, questionáveis e que demandariam muito mais tempo de debate – casos do fim dos gastos mínimos em saúde e educação – é algo preocupante. Major Olímpio (PSL-SP), José Serra (PSDB-SP), Simone Tebet (MDB-MS) e uma série de outros senadores apontaram a falta de cautela por parte do governo em tentar impor, como condição à aprovação de uma nova rodada do auxílio emergencial, a desvinculação de gastos obrigatórios em saúde e educação. Serra e senadores do PT apresentaram emendas para suprir os dispositivos que acabavam com os gastos sociais mínimos do relatório final do senador Márcio Bittar (MDB-AC).

Atualmente os investimentos do orçamento anual em educação e saúde estão divididos da seguinte forma: municípios devem gastar o mínimo de 12% com a saúde e 25% com a educação; estados devem investir minimamente 15% do orçamento com a saúde e 25% com a educação; e a União deve manter o repasse do ano anterior acrescido das correções inflacionárias. Tudo isso está previsto na Constituição Federal.

Pacheco, em uma live do jornal Valor Econômico, chegou a defender que essa desvinculação não faria com que saúde e educação perdessem verbas. Ora, se não haverá corte de recursos, qual o sentido de vincular o auxílio emergencial à desvinculação dos gastos mínimos como forma de ajudar a pagar os gastos extraordinários? O raciocínio não fecha.

A falta de articulação, mais uma vez, por parte do governo, fez com que a votação fique para a próxima terça, mantendo-se essa quinta para debates no Senado. Isso porque o governo foi alertado que não conseguirá aprovar a PEC como deseja, devido à grande movimentação para derrubar pontos polêmicos do relatório de Bittar.  Senadores se manifestaram afirmando que o governo sequer tentou negociar os pontos mais polêmicos da proposta, relembrando outros momentos da fraca articulação do Planalto junto ao parlamento.

Além do fim dos gastos mínimos, a proposta apresenta outras questões com minuciosidades técnicas, como controle de gastos dos entes federados, fim de progressão e concursos em determinadas situações, bem como revoga o mínimo de repasse do PIS/PASEP ao BNDES, entre outras propostas. Mudanças dessa ordem devem ser alvo da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) antes de ir para debate e votação no plenário. Isso sem falar de outras polêmicas, como a possibilidade da lei que veta progressão de carreira e aumento salariais não terem efeito para os militares (é um reboliço jurídico que precisaríamos de um artigo só sobre o tema).

Por fim, diante de tantos enroscos, falta de articulação e minuciosidades técnicas, o que leva o governo a encaminhar essa proposta, ao invés de aprovar o repasse do auxílio e buscar outras fontes para amortizar esses gastos? Vale lembrar uma coisa não feita até aqui: A PEC Emergencial (PEC 186/2019) foi proposta ao Senado Federal por Paulo Guedes, no início de novembro do saudoso ano pré-pandemia. A motivação da sua aprovação não era, obviamente, a distribuição de uma nova rodada do auxílio emergencial. A preocupação era/é com o cumprimento de duas regras que estipulam os limites do uso do dinheiro público: o Teto de Gastos e a Regra de Ouro.

O governo usou a necessidade da nova rodada de auxílio para empurrar conjuntamente a aprovação de diversas propostas de Guedes. Possivelmente não obterá êxito total, visto que a votação deve ser fatiada, sendo priorizada a aprovação no novo auxílio (4 meses com parcelas que podem ir de R$ 250 a R$ 300). Mas recordando de uma aula de antropologia jurídica que ministrava, acho que se pode entender a lógica do governo.  Nessa aula, eu explicava sobre o método de os juízes romanos obterem confissão de um delito. Os magistrados costumavam atribuir um crime maior que o cometido. Se o sujeito roubou uma cadeira, o juiz dizia: “fulano roubou uma cadeira e uma mesa”. No que o acusado retrucava: “roubei a cadeira, a mesa não!”,

O governo joga alto para colher parte das reformas tão sonhadas por Guedes. No fim das contas, essa necessidade do auxílio emergencial pode ter sido providencial para a política econômica do governo. A conferir!