Tentam nos afugentar, mas não conseguirão: violência política contra mulheres candidatas nas eleições municipais
Michelle Fernandez e Hannah Maruci
Em texto publicado no dia 17 de novembro, fizemos um balanço das candidaturas femininas aos parlamentos municipais de todo país. Apontamos que as mulheres são 51% da população, mas ocupam apenas 16% das cadeiras das Câmaras de Vereadores (Fonte: TSE, 2020). Se olhamos para o resultado das eleições para o executivo municipal, os dados são ainda mais desiguais. Apenas 12% dos municípios brasileiros passarão a ser comandados por mulheres a partir de 1º de janeiro de 2021; desses, só uma capital: Palmas (TO). Esses dados demonstram objetivamente as dificuldades enfrentadas pelas mulheres para ocupar espaços de poder na política.
Como já discutimos nesse blog, a política institucional é um reflexo de uma estrutural social que violenta mulheres das mais diversas formas. Essa violência expressa a extrema desigualdade de gênero e raça sobre a qual a sociedade brasileira é estruturada. Há séculos, a visão que predomina entre os representantes políticos é bastante homogênea. Essa visão parte da perspectiva política do homem branco, que vem ocupando unanimemente os espaços de poder ao longo do tempo.
A violência política de gênero se expressa das mais variadas formas e durante toda a vida política: nos ambientes partidários, nas ruas, nas campanhas e até mesmo nos ambientes institucionais. Isso significa que, ainda que se trate de uma mulher eleita pela população, ela não está livre de sofrer esse tipo de violência. Dados de uma pesquisa realizada pela União Parlamentar Internacional (IPU) revelam que entre as parlamentares entrevistadas, 82% sofreram violência psicológica; 44% receberam ameaças de morte, estupro, espancamento ou sequestro; 26% sofreram violência física no parlamento e 39% afirmaram que a violência política minou a implementação de seus mandatos e sua liberdade de expressão.
Uma violência muito recorrente entre as candidatas se dá por parte de seus próprios partidos políticos. Estamos falando da desigualdade na distribuição de recursos financeiros. O roteiro parece ser sempre o mesmo: 1. o partido promete o dinheiro no momento de a mulher lançar sua candidatura (lembrando de que o partido precisa da candidata para cumprir a cota mínima de 30%); 2. passa a pré-campanha, inicia-se a campanha e o dinheiro não entra; 3. a candidata acaba gastando do seu próprio dinheiro, quando tem, na esperança do partido ressarci-la; 4. o partido afirma que o dinheiro irá entrar; 5. o dinheiro não entra, ou entra em fase avançada da campanha. E nesse processo, a candidata gasta energia, tempo e emocional para cobrar o partido e conseguir realizar sua campanha.
No entanto, outros tipos de violência são sentidos pelas mulheres que ousam adentrar o mundo da política. Nestas eleições não foi diferente. Grande parte das candidatas relatou ter sofrido algum tipo de violência política que ameaça sua integridade física e/ou emocional. A Tenda das Candidatas assessorou e acompanhou dez candidatas de diferentes regiões do país e registrou inúmeros ataques a elas durante suas campanhas. Temos ainda o registro da violência sofrida por Ana Lúcia Martins, primeira vereadora negra eleita em Joinville (SC). Ela foi vítima de injúria racial e recebeu diversas ameaças. Nas campanhas a prefeituras, também nos deparamos com ataques a mulheres candidatas, como os casos de violência sofrida em campanha por Manuela D’ávila (Porto Alegre/RS) e Marília Arraes (Recife/PE).
Episódios de violência de gênero e raça que resultaram em assassinato ou ameaça de morte foram vivenciados ao longo da história política brasileira. Um deles é o assassinato da cabo eleitoral Renata Castro em Magé, município do Rio de Janeiro, um dia depois de fazer uma denúncia de corrupção contra a atual gestão. Ela afirmou em vídeo ter sido ameaçada de morte, o que infelizmente se concretizou. Ameaças de morte também são frequentes entre candidatas e eleitas. A deputada federal Talíria Petrone têm sido ameaçada desde o início de seu mandato, iniciado em 2019. Recentemente, ela pediu à ONU proteção e pressão sobre o governo brasileiro, e afirmou se sentir muitas vezes desestimulada e acuada em continuar atuando politicamente.
O que é ser mulher na política no Brasil? É poder ser morta pelo simples fato de ser mulher e atuar politicamente. Trata-se de “feminicídio político”, termo criado após o assassinato da vereadora Marielle Franco, uma mulher, negra, lésbica e periférica que desafiou as estruturas do sistema político e foi executada. Para mudar essa situação não há outra saída: precisamos ocupar mais espaço elegendo mais mulheres, e mais mulheres negras. Caso contrário, continuaremos vendo mulheres desistindo de participar na arena política ou, ainda mais grave, sendo mortas por escolher atuar politicamente.