“Regozijem-se os campos e tudo o que neles há! Cantem de alegria todas as árvores da floresta”
Carolina Corrêa
O Salmo 96.12, título deste texto, foi publicado, no dia 19 de maio, no Twitter do delegado Alexandre Saraiva, ex-superintendente da Polícia Federal no Amazonas, para comemorar a deflagração da Operação Akuanduba, comandada pela Polícia Federal. Com base em informações da embaixada dos Estados Unidos no Brasil, a operação investiga crimes de exportação ilegal de madeira proveniente da região amazônica – um dos alvos de busca e apreensão é o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. A desavença existente entre Salles e o delegado Saraiva iniciou-se quando o ainda superintendente apresentou uma notícia-crime contra Salles no STF, acusando-o de organização criminosa, advocacia administrativa e obstrução de fiscalização, devido ao comportamento do Ministro na tentativa de obstruir, em favor da madeireiros, uma investigação ambiental da PF. Essa notícia-crime resultou, ontem, dia 31 de maio, num pedido da PGR ao STF para que haja abertura de inquérito a fim de investigar a atuação de Salles. Portanto, provavelmente, hoje é um novo dia de comemorações para o delegado Saraiva.
De fato, passar a boiada pode ser um pouco mais complicado do que Salles imagina. Nota-se que o Poder Judiciário, definitivamente, entrou em campo. Na decisão que autorizou a Operação Akuanduba, o Ministro do STF, Alexandre de Moraes, salientou que a embaixada dos Estados Unidos além de fornecer depoimentos e documentos, também enviou amostras das madeiras que foram apreendidas pelas autoridades estadunidenses. Ao que parece, Ricardo Salles dificilmente conseguirá escapar ileso dessas diferentes investigações. [O meio ambiente agradece]. Todavia, é preciso lembrar de que Salles e Bolsonaro não estão sozinhos nessa empreitada, a maior parte dos deputados federais está de mãos dadas com o Executivo nessa tentativa de simplificar e flexibilizar normas de controle e fiscalização ambiental no país.
Recentemente, no dia 13 de maio, foi aprovado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n.º 3729/2004, que dispõe sobre alterações nas regras gerais de licenciamento ambiental no país. O parecer do relator, Neri Geller (PP/MT), deputado e vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, dispensa diversos empreendimentos (como determinados tipos de obras e atividades agropecuárias) da obrigatoriedade de obter Licença Ambiental, algo que preocupa a bancada e os movimentos ambientalistas. Agora, o projeto segue para o Senado Federal que, diante do contexto, deve assumir a responsabilidade de promover uma ampla discussão a respeito das consequências socioambientais que a aprovação desse projeto pode causar.
Além da alteração nas normas de licenciamento ambiental, o Senado Federal também deve votar, em breve, o Projeto de Lei n.º 510/2021. Conhecido como o “PL da grilagem”, este projeto dispõe sobre a regularização fundiária de ocupações de terras situadas em áreas da União, ou seja, a regularização de ocupações realizadas em locais que, oficialmente, “não tem dono” ou “proprietários legais”. Uma medida que pode resultar na isenção de crime para aqueles que desmataram áreas públicas (incluindo áreas de preservação e conservação), fazendo com que essa terra se torne propriedade de quem as ocupou, de quem as desmatou.
Esse projeto é uma derivação da Medida Provisória 910/2019, editada por Jair Bolsonaro. A MP não foi validada no Congresso Nacional em tempo hábil, por isso, foi transformada em projeto de lei no Senado, uma iniciativa do senador Irajá Silvestre Filho (PSD/TO), filho da também senadora Kátia Abreu (PP/TO); tendo como relator o senador agropecuarista Carlos Fávaro (PSD/MT), que já foi vice-presidente da Associação dos Produtores de Soja do Brasil.
Se a maioria dos deputados tem sustentado o plano de Bolsonaro na Câmara, o Senado Federal também tem parlamentares trabalhando nesse sentido, na tentativa de afrouxar as regras que dão sustentabilidade para os planos de ação e controle do desmatamento no país. Todavia, diante da importância global do tema, espera-se que o Poder Legislativo brasileiro atue para barrar essas ações do governo federal e de seus aliados. Bolsonaro pode até tentar enganar a audiência internacional com o seu discurso na reunião da cúpula do clima, mas as suas propostas negacionistas e ruralistas não devem ser acolhidas pelo Congresso Nacional.
Desde o fim do século XX, as questões ligadas à preservação e conservação do meio ambiente têm tomado proporções internacionais a partir de ações de governança ambiental global, mas, neste momento, desde as últimas eleições nos Estados Unidos, Joe Biden tenta dar um impulso internacional ainda maior para a agenda – o meio ambiente é a nova pauta da geopolítica. Não é à toa que os EUA fizeram questão de enviar ao Brasil, neste momento, essas informações sobre a madeira ilegal que lá apreenderam. É, certamente, um tipo de sinalização no âmbito da governança global. Que papel o Brasil vai assumir nesse contexto? E qual é a responsabilidade do Senado Federal nesse momento? Eu vos digo: pisar no freio. Se a Câmara dos Deputados está alinhada com o Poder Executivo na tentativa de passar a boiada, espera-se que o Senado Federal assuma o seu papel de checks and balances. O Judiciário já parece ter entendido sua função e responsabilidade neste cenário.
Não existe plano B para o Planeta Terra. Por mais clichê que isso possa parecer, essa é a verdade e, certamente, o poder político, representado por diferentes instituições e atores, será responsabilizado por não apostar no plano A – repito: é por isso que o meio ambiente é o novo centro da geopolítica. Como bem disse minha colega de Legis-Ativo, Marcela Tanaka, a conta chega no final. No entanto, eu conservo a esperança de que ainda possam cantar de alegria todas as árvores da floresta; rogo para que a maior parte dos senadores brasileiros compartilhe desse sentimento comigo.