Os limites da diplomacia parlamentar na COP26
*Texto de autoria de Andreas Paiva, Eric Balbinus, Erica de Oliveira, Luigi Tedeschi e Matheus da Silva, pós-graduandos em Ciência Política pela FESP-SP com material construído na disciplina de Análise Política.
A participação do Brasil na COP26 contou com uma série de aspectos dignos de discussão, dentre eles o protagonismo de parlamentares em um fórum internacional que pretende traçar metas fundamentais para o meio ambiente. Se por um lado, o descaso absoluto de Jair Bolsonaro com a agenda ambiental não se apresenta como algo surpreendente (tão somente uma consequência lógica de uma administração responsável por transformar o país em pária internacional em questões ambientais), é digno ressaltar que esse movimento tem como consequência o vácuo deixado pelo Presidente da República, principalmente em se considerando a predominância estrutural do Executivo na representação do país no cenário internacional.
O protagonismo histórico do Poder Executivo nas relações internacionais decorre de prerrogativas constitucionais que dão a esse o papel legal de representante externo do Estado, atribuindo ao Legislativo a função de ratificar os acordos firmados. Nestes tempos o que se verifica é precisamente o contrário: o vácuo de liderança deixa a representação do Brasil nas mãos de atores diversos, dentre eles, o Poder Legislativo, muito embora a esse não seja atribuído formalmente o poder de assumir frente a outros países obrigações em nome do Estado brasileiro, o que, em verdade, acaba por causar prejuízos para diplomacia e interesses nacionais.
Um exemplo de como esse protagonismo não atende as necessidades do país se verifica na própria organização dos parlamentares designados para a Conferência. Deputados federais têm direito a receber diárias para esse tipo de compromisso, desde que autorizados pela Secretaria de Relações Internacionais da Câmara dos Deputados, além disso recebem suporte da Comissão de Relações Exteriores e da assessoria da própria Secretaria. Ainda assim, não há condições adequadas para que seja suprida a lacuna deixada pela Presidência, vez que tais recursos são proporcionalmente muito menores que os recursos atribuídos àquela para os mesmos fins. No caso da COP 26, a desproporção ficou clara na desistência de deputados que acabaram declinando da participação na delegação brasileira diante dos altos custos para a viagem à Europa (também uma consequência óbvia da crise econômica).
Outro elemento decisivo para o insucesso da missão é o desacerto programático entre o Executivo e o Legislativo no que diz respeito aos compromissos ali firmados. Parlamentares envolvidos na Conferência receberam com ceticismo as promessas feitas pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, que firmou o compromisso de elevar em 50% a meta de redução de gases do efeito estufa até 2030. Nilton Tatto (PT-SP) chamou o plano de “pedalada climática”, enquanto o líder da oposição Alessandro Molon (PSB-RJ) acusou o governo de “tentar enganar” a opinião pública internacional. O pessimismo se justifica, já que no primeiro ano de mandato o presidente causou polêmica ao demitir o presidente do INPE por não concordar com a divulgação de estudos apontando aumento do desmatamento na Amazônia.
É evidente que atores como Legislativo nacional e setores da sociedade civil ganharam mais relevância em áreas de debate internacional por conta da globalização e da urgência de temas como as mudanças climáticas, o que confere ainda mais legitimidade aos deputados que participaram da COP 26. O que deve ser colocado em perspectiva é que a tendência de uma participação cada vez maior desses atores em função do vácuo deixado pelo Poder Executivo é extremamente danosa para o país. A diplomacia parlamentar é um instrumento de representação legítima e desejável, porém o que se viu na COP 26 foi a tentativa de suprir uma necessidade para a qual o Legislativo sequer possui recursos para atender. Esse desarranjo não só deteriora a imagem do país nesses fóruns em que um chefe de Estado tão controverso sequer se apresenta à mesa de discussões como compromete possibilidades de futuro – sobretudo para os mais pobres, assim como para os povos originários e ribeirinhos, que serão profundamente afetados pela negligência do governo.