Ana Paula Massonetto

Neste momento, a educação brasileira passa por duas avaliações, o ENEM 2021 e o SAEB 2021, importantes para diagnosticar a defasagem na aprendizagem dos alunos, agravada por quase dois anos de ofertas heterogêneas de ensino híbrido – entenda-se remoto na maior parte do tempo e do país, sem coordenação nacional e sem investimentos adequados por parte do Ministério da Educação desde o início da pandemia do Coronavírus, num cenário de desaceleração ou paralisia na implementação de políticas estruturantes.

No último domingo, 28/11, aconteceu o segundo dia da aplicação do ENEM 2021, lembrando de que ainda haverá a reaplicação do exame nos dias 9 e 16 de janeiro de 2022 para as pessoas privadas de liberdade ou sob medida socioeducativa que inclua privação de liberdade; para os participantes isentos da taxa de inscrição em 2020, que por decisão do Supremo Tribunal Federal receberam nova oportunidade; e para os estudantes que perderam uma ou as duas provas do Enem 2021 por apresentarem sintomas da Covid-19. O ENEM foi criado com o objetivo de avaliar o desempenho escolar dos estudantes ao término da educação básica e utilizado como mecanismo de acesso à educação superior. Em 2021, o processo de sua aplicação foi marcado por polêmicas, com a debandada de 37 servidores que pediram exoneração após denúncias de falhas e interferências do governo federal e do Presidente Jair Bolsonaro na prova, além da edição registrar o menor número de candidatos inscritos nos últimos 14 anos, sendo que dos 3,1 milhões de alunos inscritos, 26% não compareceram para realizar a prova.

Já a aplicação do SAEB 2021, Sistema de Avaliação do Ensino Básico, ocorre entre 08 de novembro a 10 de dezembro, com provas censitárias para os alunos da rede pública dos 5º e 9º anos e amostral para o 2º ano do ensino fundamental e redes privadas em Língua Portuguesa e Matemática, e amostral para o 9º ano em ciências da natureza, ciências humanas e para a educação infantil (apenas com questionários para gestores, neste último caso). Aproximadamente 6 milhões de estudantes devem realizar o SAEB 2021, um dos mais abrangentes sistemas de avaliação do mundo, que permite às escolas e às redes estaduais e municipais de ensino avaliarem a qualidade da educação oferecida aos estudantes, subsidiando a elaboração, o monitoramento e o aprimoramento de políticas educacionais.

Porém, não é necessário, tampouco prudente, aguardar os resultados do ENEM 2021 e SAEB 2021, que estarão disponíveis somente no início e meados de 2022 respectivamente, para confirmar a necessidade de medidas urgentes para mitigar a perda e recuperar a aprendizagem dos alunos e a retomada dos investimentos e da política estruturante para a educação brasileira.

Em 2020, mais de 90% das secretarias municipais de Educação funcionaram apenas por meio do ensino remoto, sem atividades presenciais. Neste período, mais de 5,1 milhões de estudantes não tiveram acesso à educação no Brasil em razão da pandemia. Desses, mais de 40% eram crianças com idades entre 6 e 10 anos (estudo Undime/Unicef).

As projeções indicavam, em janeiro de 2021, até quatro anos de regressão, em média, em leitura e língua portuguesa dentre os alunos dos anos finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) e até 3 anos de regressão na nota média de matemática, no desempenho do SAEB (estudo FGV EESP Clear). Num cenário de fechamento de escolas por 13 meses, era previsto o aumento do percentual de “pobreza de aprendizagem” no Brasil de 50% (nível pré-pandemia) para até 70%, considerando a proporção de crianças de 10 anos que apresentam graves dificuldades de leitura (estudo Banco Mundial).

Diagnóstico realizado na rede pública estadual de São Paulo constatou queda de 29,6 pontos a menos na escala de proficiência em Língua Portuguesa, e 46,3 a menos em Matemática, em relação às avaliações aplicadas em 2019 no 5º ano do Ensino Fundamental, indicando que esses estudantes praticamente não desenvolveram novas competências e habilidades nestes dois componentes curriculares (Estudo CAEd/UFJF e Secretaria da Educação do Estado de São Paulo). Sem dúvida, 2020 foi um ano de retrocesso para a educação brasileira.

Em 2021, as escolas privadas e algumas raras redes públicas iniciam o ano letivo ofertando ensino presencial opcional às famílias, caso das redes estadual e municipal de São Paulo e da rede municipal do Rio de Janeiro. O exemplo de retorno presencial bem sucedido na rede municipal do Rio de Janeiro, a partir de fevereiro de 2021, foi resultado de uma política pública consistente, com um conjunto coordenado de ações, desde a decisão política de priorização da abertura das escolas alinhada entre chefe do executivo e secretário de educação, com embasamento científico e técnico sólidos, protocolo sanitário claro com orientações amplamente disseminadas, apoio e monitoramento para implementação das medidas preventivas, diagnóstico e escuta ativa dos gestores escolares, com decisão compartilhada e descentralização de recursos para assegurar às condições de infraestrutura das escolas, para retorno gradativo e seguro, passando pela priorização da vacinação, mobilização, engajamento e apoio aos profissionais da educação. Em junho de 2021, 1541 escolas da rede municipal do Rio de Janeiro já ofereciam aulas presenciais, apenas 2 estavam em ajustes de infraestrutura.

Porém, os casos da rede municipais do RJ e SP e do estado de SP, dentre as maiores redes de ensino público do país, são exceções. Sem coordenação, diretrizes, apoio e investimento pelo governo federal e pelo MEC, a resposta à pandemia foi heterogênea no País, muitas redes de ensino e muitas crianças e jovens ficaram desamparados, com retorno presencial acontecendo somente a partir de meados do 2º semestre de 2021, após avanço da vacinação contra Covid-19.

Promover a aprendizagem já era desafiador antes da pandemia. Mais do que nunca, a coordenação nacional seria imprescindível e decisiva, mas contar com este governo federal e com este MEC parece ilusório. Relatório da CEXMEC, Comissão Externa destinada a acompanhar o desenvolvimento dos trabalhos do Ministério da Educação (MEC), aprovado pela Câmara dos Deputados em 24 de novembro, indica a ausência de medidas de combate à pandemia, a paralisia na agenda de políticas estruturantes e retrocessos promovidos pelo MEC nos últimos 2 anos.

O relatório destaca que, além de não realizar diagnóstico tempestivo acerca da perda de aprendizagem e da evasão escolar dos alunos do ensino fundamental e médio em âmbito nacional, o MEC também se ausentou de formular e implementar uma política pública de recuperação das lacunas de aprendizagem e de enfrentamento ao abandono e ainda não retomou o acompanhamento da frequência escolar de alunos em situação de pobreza do programa de transferência de renda, dificultando a busca ativa dos alunos. Programas como Brasil na Escola, que poderiam contribuir para conclusão do Ensino Fundamental na idade adequada tiveram investimentos e alcances limitados. Apenas 6,9% dos alunos matriculados nos anos finais do EF estão em tempo integral, bem abaixo da meta 6 do PNE (25%), e o MEC não financia um programa federal de apoio à educação integral no âmbito do ensino fundamental.

Em 2020, 75,4% dos jovens de 15 a 17 anos frequentavam o ensino médio na idade prevista, abaixo da meta de 85% (meta 3 do PNE) até 2024 e os investimentos do Programa Novo Ensino Médio entre 2019 e 2021 não somaram nem R$ 5 milhões, representando menos de 1% da dotação. A ampliação de vagas e matrículas e a construção e reformas de creches pelo MEC também foram ínfimas, com apenas 355 obras de creches e pré-escolas no âmbito do Proinfância em 2020 e 62 obras em 2021. A Política Nacional de Alfabetização (PNA), instituída por decreto em 2019, as diretrizes e orientações do PNLD 2022 Educação Infantil e os programas de alfabetização implementados pelo MEC, como Tempo de Aprender e Conta pra Mim, encontram-se desalinhados com as orientações da Base Nacional Comum Curricular da Educação Infantil.

O Programa de Inovação Educação Conectada, de apoio à conectividade, possui pagamento muito baixo em 2021 (menos de 1% da dotação, apenas 3,1 milhões). A Educação Inclusiva, do Campo, Indígena e Quilombola sofrem desmontes com a extinção da Secretaria respectiva, ausência de representação nos Conselhos, dotações orçamentárias irrisórias ou ausência completa de pagamento de despesas nestas áreas.

Neste cenário drástico para a educação e o desenvolvimento estrutural do país, o Congresso tende a ocupar o vazio deixado pelo MEC, a exemplo da aprovação praticamente unânime do Novo Fundeb. A agenda legislativa sistematizada pelo Todos Pela Educação em meados de 2021 aponta as regulamentações pendentes, como a criação do Sistema Nacional de Educação, a revisão da política docente com atualização do piso do Magistério, a definição dos mecanismos para mapeamento das demandas de creches, a regulamentação das diretrizes nacionais do Ensino Técnico e Profissionalizante, dentre outras.

Enquanto esperam que o Congresso e as eleições recuperem a educação brasileira, resta aos gestores públicos das redes municipais e estaduais, com o engajamento dos gestores escolares e professores, a missão hercúlea de implementar uma agenda urgente e imprescindível em 2022, buscando mitigar a defasagem de aprendizagem dos estudantes acentuada desde o início da pandemia do Coronavírus, incluindo: intensificar a busca ativa dos alunos que continuam fora da escola, promover avaliação diagnóstica da aprendizagem dos alunos, assegurar a priorização e contínuo curricular, ofertar material pedagógico de apoio, fortalecer a formação docente, focar na alfabetização, com atenção especial à recuperação da aprendizagem, em todos os anos de escolaridade, além do aprimoramento da oferta de conectividade.

Confira aqui a agenda legislativa sistematizada pelo Todos Pela Educação.