Orçamento secreto e PEC dos Precatórios na República do disparate
Lucas Ambrózio
Nos últimos anos o termo disparate parece ter se transformado no mais novo princípio constitucional. Tem sido cada vez mais difícil encontrar racionalidade e coerência na atuação do Estado brasileiro. Por outro lado, não é difícil entender as motivações reais, embora ilegais e ilegítimas. O disparate como método de governo tem destruído paulatinamente o sistema de proteção social construído ao longo de muitas décadas e que teve na Constituição de 1988 o seu grande expoente. São amplamente conhecidas as principais ações de destruição recente das políticas de saúde, de educação, ambiental, habitacional, de proteção e amparo ao trabalhador, de previdência social, etc.
Nos últimos dias têm emergido uma série de discussões no Congresso Nacional em torno de duas pautas específicas da área de finanças públicas: as emendas de relator (popularmente chamadas de “orçamento secreto”) e a PEC dos Precatórios. Estes dois episódios trazem significativos impactos para a deterioração do Estado Democrático de Direito criar práticas que ferem os princípios da legalidade, moralidade, publicidade (transparência) e eficiência.
Apesar de não ser um dispositivo novo, as emendas de relator, que deveriam ser utilizadas somente em casos pontuais e como instrumento de correção de erros e ajustes da peça orçamentária, passaram a ser claramente utilizadas de forma exacerbada e ferindo os princípios orçamentários que obrigam as dotações a definirem valores limites e finalidades e objetivos e, quando representar indicações de parlamentares, devem indicar o nome do parlamentar ou dos parlamentares que estão destinando aqueles valores – por isso este instrumento foi popularmente chamado de orçamento secreto. Dessa forma os relatores do orçamento têm nos últimos anos (orçamento 2020 e 2021) lançado mão deste instrumento para manejarem valores que podem ultrapassar 30% das despesas discricionárias do Orçamento da União e distribuírem em troca do apoio de parlamentares ao Executivo.
Após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendeu o pagamento das emendas de relator e determinou uma série de medidas de correção a este instrumento, o Congresso Nacional aprovou na última segunda-feira algumas medidas para aprimorar o instrumento das emendas de relator. Vale destacar que estas medidas são substancialmente insuficientes para conferir condições mínimas de transparência, racionalidade e eficiência. No Senado o texto foi aprovado por maioria apertada e possivelmente será alvo de nova provocação ao STF.
Já a PEC dos Precatórios, que prevê a flexibilização do pagamento dos precatórios, que são as dívidas que o governo possui junto a terceiros, fruto de decisão judicial definitiva. Esta medida frustra os compromissos assumidos pelo governo com seus credores, que são, sobretudo, cidadãos e empresas. Esta PEC foi a estratégia encontrada pelo governo para permitir acomodar a criação do novo programa de transferência de renda, nomeado de Auxílio Brasil, que visa substituir o Programa Bolsa Família a poucos meses da eleição presidencial, sem abrir mão de uma série de outros gastos como os supracitados. O caráter meramente eleitoral do Auxílio Brasil pode ser entendido a partir do comportamento do Executivo Federal tanto na condução da política de assistência e desenvolvimento social desde 2019 como na total falta de priorização e preocupação com a continuidade do Auxílio Emergencial desde o início da pandemia. E assim as políticas públicas vão se esgarçando e perdendo coerência e racionalidade, em ações e incentivos contrários ao planejamento governamental, ao controle social e à segurança jurídica.