Os pedidos da transparência
Eduardo Seino, Nathália Martins e Taciana Stec.
Entre tantas preocupações com os ataques que a democracia brasileira vem sofrendo, nunca devemos nos esquecer de lutas contínuas no campo do fortalecimento democrático. Uma destas lutas é a busca por um poder público que facilite o acesso às informações constantes em seus processos decisórios para que os cidadãos possam exercer o seu papel de controle social.
Certamente, alcançar este objetivo depende do compromisso dos entes públicos com a transparência, porém algumas iniciativas da sociedade civil que visam organizar a informação e facilitar o acesso em meio a um mar de dados – frequentemente incompreensíveis – contribuem muito com a democratização e a qualificação dos debates públicos.
Nesse sentido, a Política Por Inteiro[1] nasceu em 2019 com o objetivo de monitorar os sinais políticos relevantes relacionados à Mudança Climática e Meio Ambiente articulados pelos poderes Executivo e Legislativo no âmbito federal. Diariamente, algoritmos vasculham o Diário Oficial da União (DOU) e as propostas de deputados e senadores no Congresso Nacional em busca de atos e proposições que possam ter impactos diretos e indiretos nas políticas públicas de Clima e Meio Ambiente. Por fim, ainda há uma curadoria humana para validar, analisar e interpretar as normas encontradas.
Diante da importância da inserção dos níveis subnacionais na política de clima e da relevância da região amazônica para o tema, o monitoramento realizado em âmbito federal vem sendo adaptado e projetado para a esfera estadual em alguns dos estados que compõem a Amazônia Legal, a qual engloba nove estados: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Maranhão, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.
Para a seleção dos primeiros monitorados foram realizados um levantamento e uma classificação[2] de acordo com facilidade de acesso, formato dos dados e disponibilidade dos sistemas nas esferas do Executivo e Legislativo. Ou seja, observando os fatores centrais que influenciam no nível de transparência dos dados.
Em relação ao Poder Legislativo, algumas Assembleias Legislativas utilizam o Sistema de Apoio ao Processo Legislativo (SAPL) e disponibilizam APIs[3] para consulta e extração dos dados. Este foi o melhor cenário encontrado, uma vez que há disponibilização de dados padronizados e estruturados, embora ainda não seja o ideal em decorrência da ausência de algumas informações, como por exemplo o tipo da proposta e o regime de tramitação, dependendo do estado (AC, RO, AM, TO e MA).
No caso do Mato Grosso, por exemplo, o Legislativo disponibiliza uma API própria, mas impõe restrições de acesso, solicitando autorização do presidente da Casa via ofício. Importante apontar que a equipe da Política Por Inteiro fez essa solicitação no final de agosto e ainda não obteve resposta. Outras Assembleias Legislativas disponibilizam as atividades em formato HTML ou PDF por meio de pesquisas e obtidas apenas por raspagem dos dados. O caso mais grave foi o da Assembleia Legislativa do Pará devido à indisponibilidade e instabilidade no site, que impossibilitou o acesso aos dados.
Em relação ao Poder Executivo, o acesso aos dados, via Diários Oficiais Estaduais (DOE), é ainda mais complexo e dificultado, uma vez que não há padronização das informações e o formato em sua maioria é PDF. Em nenhum dos estados há disponibilização via APIs.
A despeito da análise dos dados e os resultados ainda estarem sendo elaborados, observamos que existe um esforço no sentido da digitalização, mas ainda há um longo caminho para que os dados sejam efetivamente transparentes e não apenas publicados.
No âmbito do Executivo, ainda muito distante do ideal, é necessária a padronização e a disponibilização de APIs para o acesso aos dados. No Legislativo, cabe às Assembleias Estaduais aderirem ao SAPL para que exista uma padronização entre os entes federativos – que idealmente seguiria o mesmo formato das Casas Legislativas Federais – e maior qualidade na inserção dos dados.
A forma como utilizamos a tecnologia permanece sendo um desafio contemporâneo para sociedades democráticas que têm como objetivo promover a transparência e governos abertos, bem como garantir a participação e o controle social. Atentar para as demandas de entidades da sociedade civil que estão atuando nesse sentido é requisito fundamental para que a política possa chegar, por inteiro, aos cidadãos.
[1]https://www.politicaporinteiro.org/#oquee
[2] Coleta de dados realizada em setembro deste ano.
[3] do inglês, Application Programming Interface, é um conjunto de rotinas e padrões de programação que facilitam o acesso e consumo de dados entre plataformas.