A Comédia da Elite e a Tragédia dos Comuns
Leon Victor de Queiroz
Partidos e políticos envolvidos em corrupção o Brasil tem de direita à esquerda. Não caberia nesse espaço a quantidade de casos, mas todos aguardam o pedido de desculpas e a autocrítica do PT. E o PTB? E o PSDB? E o MDB? Quando ainda estava na Faculdade de Direito travei um bom debate com meu professor de Ética. Eu argumentava que a Ética tende a variar de acordo com o papel social do cidadão, e nesse caso, a Ética do empresário difere da Ética do empregado, que é diferente da Ética na política. “Impossível”! exclamou meu professor. A Ética não varia, ou se é ético ou não é.
No Brasil há dois comportamentos igualmente antiéticos e igualmente tipificados como crime, porém um é aceito e o outro não. Falo da sonegação e corrupção respectivamente. A sociedade não reprova um profissional que presta um serviço e não emite deliberadamente uma nota fiscal para não pagar imposto. Entretanto, se um político desvia recursos públicos, este deve passar a vida na cadeia, especialmente se for de um partido com o qual o indivíduo não simpatiza. Sim, a corrupção no Brasil é relativizada. Da mesma forma que as pessoas não reprovam a sonegação fiscal dos amigos e dos vizinhos, também não reprovam o comportamento político de quem se gosta.
A corrupção, já faz algum tempo, deixou de ser variável para se tornar uma constante. E sendo uma constante é de se observar: O que foi feito com a corrupção? Compra de mansão ou comida na mesa de milhões? Doris Goodwi, pesquisadora e autora de biografias, escreveu em “Team of Rivals: The political genius of Abraham Lincoln”, como o 16º Presidente dos Estados Unidos aproveitou parlamentares opositores não reeleitos e em fim de mandato para comprar-lhes o voto no Congresso em favor da abolição da escravatura. Reprovável, diria meu nobre Professor de Ética, porém, como afirmei acima, quando a corrupção é uma constante, é preciso observar o resultado final. O desfecho dos Estados Unidos de 1865 foi extremamente positivo, ao se encerrar o comércio de pessoas pretas.
Se por um lado o brasileiro relativiza a corrupção e escolhe quem merece perdão, a liberdade parece ter ganho ares absolutos. Pelo menos é o que pregam os anti-vacinas. São contrários ao passaporte vacinal, argumentando ferir a liberdade individual, mas não compreendem que sem vacinarem-se, expõem ao vírus pessoas vacinadas que sequer sabem que estão expostas, tirando-lhes a liberdade de se defender, pois uma vez que não sabem quem está vacinado, não poderão escolher não interagir, se afastar, evitar, etc. É o que acontecia com os fumantes ao serem banidos dos locais públicos, uma vez que a liberdade de fumar em qualquer ambiente, expunha quem não fumava à toxicidade do tabagismo. A liberdade preconiza que os cidadãos são livres para escolher um ambiente mais favorável à sua saúde, daí a proibição de fumar em locais públicos e a proibição de pessoas não vacinadas de entrarem nesses locais. É o mesmo princípio. A pessoa não imunizada não pode obrigar a pessoa imunizada a se expor desnecessariamente ao vírus.
Essa obsessão pela liberdade me lembra “A Tragédia dos Comuns”: situação em que indivíduos têm acesso irrestrito (seja por ausência de estrutura ou de instituições) a um recurso e que, ao agirem de forma totalmente livre com interesse individual, causam o esgotamento do recurso por meio de ação não coordenada. Tal situação foi definida em 1833 pelo economista William Forster Lloyd. Em 2009 a economista Elinor Ostrom, Nobel em Economia, a quem tive a honra de conhecer pessoalmente naquele ano durante um congresso científico na Universidade de Berkeley, demonstrou esse conceito no seu livro Governing the Commons.
A mistura de um comportamento antiético mais um senso de punição seletivo, associado ao exercício ilimitado da liberdade coloca o Brasil em uma posição patética, que poderia ser descrita como A Comédia da Elite. Aos comuns a tragédia permanece uma vez que os indicadores de desigualdade despencam na mesma velocidade que o da fome decola. Enquanto isso, o debate volta a ser o combate à corrupção. Parece piada, mas as pessoas ainda não se deram conta de que a corrupção não é o maior problema da nação.