Hannah Maruci

 

A possibilidade de se fazer campanha política pela internet ganhou relevância determinante nas Eleições Gerais de 2018 e se consolidou com a disseminação da pandemia de Covid-19, em 2020. Essa transformação formal trouxe consigo uma ideia de que com a internet as campanhas políticas poderiam ser realizadas com um orçamento mais baixo, o que geraria uma democratização do acesso da política institucional a grupos historicamente marginalizados desse processo.

Essa esperança, no entanto, durou pouco.

Em primeiro lugar, constatou-se que a internet é também um território marcado pelas desigualdades que estruturam a sociedade, não apenas reproduzindo-as, mas até agravando-as. A pesquisa realizada pela FGV monitorou as páginas e perfis do Facebook das 465 candidatas que concorreram ao cargo de deputado federal por São Paulo nas Eleições de 2018, durante todo o período de campanha eleitoral e concluiu que “o dinheiro importa e que as desigualdades existentes em ambiente offline são reproduzidas no espaço online, especialmente no uso das páginas”.

Em segundo lugar, provou-se que a diminuição dos custos das campanhas não passava de uma ilusão. Por um lado, porque as campanhas online, em sua maioria, dependem também da existência das campanhas nas ruas. Por outro lado, porque as campanhas online criam gastos que não existiam antes, tais quais coordenação de mídias sociais, impulsionamento, produção de conteúdo em um tempo muito mais acelerado.

Por fim, uma nova inteligência entrou em cena para reger as regras do jogo: a inteligência “artificial”. Entre aspas, porque essa tal inteligência é criada por humanos específicos: em sua maioria homens brancos. O racismo algorítmico, que já vinha sendo problematizado por autores como Tarcízio Silva, passa a ser também uma barreira para a eleição de pessoas negras. Em artigo baseado na Teoria Racial Crítica, o autor leva para o “online” o conceito de “dupla opacidade”, segundo o qual os discursos dominantes invisibilizam os aspectos sociais e raciais na sociedade, incluindo a tecnologia. Em outras palavras, é colocada em xeque a neutralidade da tecnologia: a internet não é uma tábula rasa, livre das desigualdades existentes na sociedade, mas é justamente estruturada por elas.

Juntam-se ao racismo algorítmico também a LGBTfobia algorítmica e a aversão das plataformas digitais a ativistas, frisados em artigo que denuncia a interdição de palavras relativas a identidades, tais quais “sapatão”, “travesti”, “sapatona” pelas redes sociais. Além disso, a pesquisa da FGV mencionada acima, identificou que o marcador de classe social também teve influência sobre as campanhas online, uma vez que:

Candidatas com ensino superior e candidatas brancas possuem mais acesso ao Facebook e utilizam essa rede social de maneira mais intensa do que as mulheres sem ensino superior e mulheres negras presentes na disputa. Candidatas pertencentes a estratos sociais mais elevados, além de possuírem mais acesso, utilizam essa rede social com mais foco em sua campanha quando comparadas com candidatas de estratos mais baixos. (RAMOS et al, 2020)

Raça, gênero, orientação sexual, classe: a opacidade tem inúmeras camadas. Assim, podemos falar em igualdade e justiça entre as campanhas online em 2022? Como poderemos garantir que as campanhas de determinados grupos sociais não sejam apenas campanhas opacas?

Referências:

Candidatas em jogo [recurso eletrônico]: um estudo sobre os impactos das regras eleitorais na inserção de mulheres na política / Luciana de Oliveira Ramos … [et al.] – São Paulo : FGV Direito SP, 2020.

Silva, Tarcízio. (2019). Teoria Racial Crítica e a Comunicação Digital: conexões contra a dupla opacidade.

Ver também: https://www.adiadorim.org/noticia/codigo-s4p4t40-lesbofobia-algoritmica-e-a-plataformizacao-da-vida