Onde a esquerda não teve vez: os perigos da radicalização ultraconservadora em Rondônia
João Paulo Viana
Nos dias atuais, a política rondoniense apresenta-se como um dos casos mais desafiadores no âmbito subnacional brasileiro. Como exposto anteriormente em nossa coluna aqui no Legis-Ativo, na eleição de 2018, Rondônia foi a única unidade federada em que Bolsonaro (PL), então filiado ao PSL, venceu na totalidade dos municípios nos dois turnos. Feito que se reproduziu na eleição desse ano, ou seja, novamente, apenas em Rondônia, Bolsonaro sagrou-se vitorioso em todas as cidades, em ambos os turnos da disputa. Cumpre mencionar que, ainda em 2018, o estado elegeu para o governo, também pelo mesmo PSL, o coronel Marcos Rocha (União), à época um outsider da política, reeleito em 2022, numa acirrada segunda rodada eleitoral contra outro candidato bolsonarista, o senador Marcos Rogério (PL), autodenominado “Pitbull de Bolsonaro”.
O peso da trajetória autoritária e do militarismo ainda exerce forte influência sobre a política rondoniana. Unidade federada elevada ao status de estado em 1982, no final do regime militar, o antigo território federal criado pela ditadura do Estado Novo varguista em 1943 foi governado por militares nomeados pela presidência durante a maior parte de suas quatro décadas de existência. No decorrer do processo de construção do novo estado emerge, no corredor da rodovia BR-364, uma elite política interiorana oriunda majoritariamente da região sul. Com menos de 1% do eleitorado nacional, Rondônia possui, proporcionalmente, um dos mais numerosos eleitorados evangélicos do País. A pauta religiosa, sobretudo os temas da família, dos valores e costumes, conta, inclusive, com demasiada influência na atual conjuntura política. No plano econômico, o agronegócio é responsável por parte significativa do PIB rondoniense.
Ainda que historicamente se trate de um estado conservador, o atual processo de radicalização política em Rondônia está em curso pelo menos desde 2018 e se acirra com a eleição de 2022. Com duas candidaturas bolsonaristas ao governo estadual disputando voto a voto, em larga medida, o debate político eleitoral foi orientado pela agenda econômica do agronegócio e a pauta religiosa, dos valores e costumes. Na eleição para a Assembleia Legislativa, partidos de cunho progressista alcançaram juntos menos de 10% dos assentos na casa. Legendas conservadoras também dominaram a disputa à Câmara dos Deputados, com o União Brasil elegendo metade dos parlamentares rondonienses, seguido por PL e MDB, com duas cadeiras cada. Ressalta-se que todos os oito deputados federais eleitos, inclusive os emedebistas, apoiaram Jair Bolsonaro na corrida presidencial.
Embora a fragmentação partidária tenha diminuído consideravelmente nas disputas proporcionais para ALE-RO e Câmara dos Deputados, a redução do quadro partidário veio acompanhada por uma concentração de legendas à direita do espectro ideológico. Em ambos os níveis de representação, o sucesso eleitoral de nomes ligados aos setores do agronegócio, evangélicos e da segurança pública evidencia ainda mais a guinada ultraconservadora na política rondoniense. Se por um lado as novas regras eleitorais contribuíram para um enxugamento no número de partidos representados nas assembleias estaduais e na Câmara dos Deputados, por outro lado, o caso rondoniense pode ser considerado um exemplo notório dos riscos de fechamento do sistema partidário em torno de partidos conservadores.
Na eleição ao Senado Federal, quatro dos cinco principais candidatos apoiavam Bolsonaro em sua tentativa de reeleição. Em um cenário amplamente dominado por candidatos ultraconservadores, o bolsonarismo confirmou sua força eleitoral. Na disputa à câmara alta, o milionário da soja, Jaime Bagattoli (PL), outsider da política e bolsonarista radical, foi eleito com votação expressiva, principalmente, no eixo da BR-364, região onde situam-se os maiores e mais pujantes municípios do interior do estado.
Após quatro anos de uma agenda governamental radicalizada, sob a qual o Executivo e o Legislativo estaduais seguiram os ditames do governo federal, pesquisas de organizações especializadas evidenciam dados preocupantes. Porto Velho encontra-se no topo entre as capitais com os piores índices de saneamento básico e água tratada. Sobre o meio ambiente, tema considerado pelos candidatos como uma “antipauta”, além das diversas investidas contrárias à Constituição Federal, Rondônia apresentou recentemente 12% dos incêndios registrados no País. Dotada de uma visão arcaica de desenvolvimento, a elite política rondoniana despreza questões ambientais e parece visar o lucro a qualquer custo. No tocante à segurança pública, o estado lidera com os maiores índices de mortes violentas entre as unidades federadas. A saúde também apresenta sérios problemas, sobretudo, na questão da descentralização, uma antiga demanda nunca efetivada.
Todavia, a vitória de Lula e o retorno do PT à presidência podem contribuir diretamente para uma mudança no quadro político estadual. Importante recordar que foi durante a era Lula, entre os anos de 2003 e 2010, o período em que o campo progressista mais cresceu eleitoralmente no estado, com o PT, inclusive, governando por dois mandatos a capital Porto Velho. Ademais, a recente sinalização do presidente do União Brasil, Luciano Bivar, no sentido de que o partido está disposto a participar do governo Lula, pode representar um arrefecimento dessa onda radicalizada na política rondoniense. Na semana passada, o atual prefeito de Porto Velho, agora ex-tucano, Hildon Chaves, um dos grandes responsáveis pela reeleição do governador Marcos Rocha, também se filiou ao União Brasil e desponta como um possível candidato ao governo em 2026.
Não obstante ainda ser muito cedo para prever futuras alianças e conjunturas específicas, em se tratando de Lula e sua habilidade política, uma possível aproximação entre os governos federal e estadual não é uma possibilidade a ser descartada. Independente disso, trata-se de um bom momento para o campo progressista rondoniense se reorganizar, tendo em vista as eleições municipais de 2024. Situado na Amazônia ocidental brasileira, o estado é estratégico para o governo federal e sob qualquer perspectiva a agenda política para a retomada da preservação ambiental na Amazônia passa por Rondônia. Do contrário, caso as coisas sigam os rumos atuais, o estado poderá ser uma “pedra no sapato” do governo petista. Certamente, retornaremos a esse tema numa próxima oportunidade.
Créditos da imagem: InfoMoney