Hannah Maruci Aflalo

Acabamos de passar por uma das eleições mais duras e pesadas de nossa história e, nas urnas, a democracia venceu. O momento pediu foco e dedicação total às eleições presidenciais porque elas decidiriam o futuro do Brasil – e isso foi feito. Comemoramos. Vibramos. Nos sentimos aliviados. E com razão. Porém, a derrota do atual presidente foi só o começo de um trajeto árduo que enfrentaremos na recuperação de nossa democracia.

Mais uma vez, as eleições para o Legislativo ficaram em segundo plano. Mais uma vez, daqui a quatro anos, serão poucos os eleitores que se lembrarão em que votaram para o cargo de deputado estadual e federal. Derrotamos Bolsonaro, mas elegemos com votações expressivas deputados e deputadas representantes do bolsonarismo em assembleias legislativas do país inteiro, inclusive na Câmara Federal. Isso significa que inúmeras ameaças ao próprio sistema democrático que vêm sendo sistematicamente apresentadas em forma de projetos de lei e projetos de emendas constitucionais continuarão em pauta. São eles projetos que ameaçam diretamente os direitos humanos, dez deles apontados pela ONG Conectas como as 10 prioridades da agenda legislativa do governo federal em 2022, dentre eles projetos que instituem a diminuição da maioridade penal, a ampliação do uso de agrotóxicos, a flexibilização do porte de armas, entre outros. Mais do que isso, significa que esses projetos terão ainda mais quórum e apoio do que tiveram nos últimos quatro anos. Tendo essas ameaças em vista, por que a importância e força do Legislativo segue sendo tão ignorada pela população?

Não há apenas uma resposta para essa pergunta, mas algumas hipóteses. A primeira é que principalmente em tempos de “polarização” política, as eleições presidenciais ganham um caráter de espetáculo alimentado por rivalidades que mimetizam as dos campos de futebol. Nessa situação, o Legislativo não tem nem de perto o mesmo apelo. A segunda é que há uma enorme desconexão da população como um todo, incluindo aí a parcela altamente educada formalmente, do poder Legislativo: não se sabe quais são suas funções, como funciona seu sistema eleitoral – quantas pessoas realmente entendem o sistema proporcional?, não há uma cultura de acompanhamento dos representantes eleitos e a participação política termina na urna.

Enquanto não nos apropriarmos como sociedade civil dos processos democráticos, compreendê-los e acompanhá-los, não seremos bons eleitores. Esse processo deve envolver educação política, conscientização social e, principalmente, que essas ações não se restrinjam aos anos eleitorais, mas façam parte de uma construção cívica permanente.