Vítor Oliveira 

Já anunciei, neste espaço, o fim da Nova República, mas ela teima em persistir. Passadas as eleições, o pacto salvacionista democrático que parte das elites políticas fez também tende a ser desfeito pela montagem do novo Governo, o que sugere um período de dificuldades e assimetrias entre expectativa e realidade.

Importante saber o porquê de mencionar “elites políticas” e não o “povo” ou outras abstrações conceituais. A palavra “elite” em si não é boa, pois pode sugerir virtude, quando na verdade denota apenas posição na hierarquia do País. E como nos ensinou o velho Schumpeter, a competição e a alternância entre essas elites pelo poder é o que sustenta o arranjo do governo representativo.

Parte das elites que se juntou à candidatura de Lula ao longo do processo eleitoral também criou expectativas de poder – em si e por parte de seus apoiadores. O caso mais evidente é o de Simone Tebet, cuja relação com segmentos da sociedade é muito mais forte do que sua ascendência sobre o MDB, gerando descompassos e impasses na formação do Governo.

Essa expectativa de poder sob o presidencialismo, quando não processada pelas instituições, é prenúncio de instabilidade. Bolsonaro nos legou golpistas inconformados com o resultado eleitoral, a ausência de intervenção militar e o cumprimento da Constituição Federal. Obviamente, já existiam, mas sua mobilização e a estrutura que os mantém é coisa recente.

Há, desde antes da posse de Lula, um inconformismo com as nomeações ministeriais feitas, mas a reclamação não vem exatamente dos partidos e sim de segmentos que representam ou vocalizam interesses dessas elites que se juntaram a Lula durante a campanha.

Sem entrar no mérito das políticas públicas que serão formuladas, lideranças políticas nas eleições que não projetam este poder para a arena legislativa ou de outra maneira que possa ser interpretada como relevante nos quatro anos que separam dois pleitos, está fadada a ir para o limbo, ao menos até o governo atual se aproximar do fim.

Também se estranhou que nomeações inicialmente fossem de políticos muito próximos ao PT e ao próprio Lula. Contudo, seria difícil imaginar que ministérios de Estado, como Justiça, Itamaraty, Casa Civil e Fazenda estivessem sob o comando de políticos distantes desse núcleo de poder, ainda mais com o tamanho da bancada petista. As expectativas, mais uma vez, não se alinhavam à realidade.

O mesmo não se pode dizer, contudo, dos outros terços de ministros a serem indicados. Especialmente a parcela que ficará reservada aos partidos potenciais parceiros dependem muito de um ajuste grosseiro entre influência legislativa e coordenação entre os futuros parceiros da Coalizão.

Isso implica constatações tristes; se há poucas mulheres no Legislativo e essa representação é critério fundamental para nomeações ministeriais, teremos poucas ministras também. Não é uma novidade, mas certamente desaponta boa parte dos apoiadores de primeira ordem de Lula.

O Gabinete de ministros que se avizinha deverá ser majoritariamente partidarizado, mas provavelmente durará pouco. Não duvido que uma nova Coalizão seja formada ainda em 2023 (sob o título de reforma ministerial), para acomodar ajustes necessários a um processo tão complexo.

Ao mesmo tempo, a consolidação das emendas de relator prenuncia a cristalização da perda de poder dos Ministros em relação aos presidentes da Câmara e do Senado, o que desvaloriza demais a capacidade de atração que Lula terá sobre os partidos. O novo governo que se avizinha tem dificuldades de calibrar as expectativas de seus apoiadores, mas difícil mesmo será o choque destes com o muro da realidade duríssima que enfrentará a partir de 2023.