Eleições previsíveis. O que esperar do dia 1º de fevereiro
Humberto Dantas
Nos últimos dias, de formas minimamente distintas, o Palácio do Planalto promoveu expressivos acenos de apoio à reeleição dos dois chefes das casas legislativas do Brasil. Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG) devem ficar mais dois anos à frente, respectivamente, da Câmara dos Deputados e do Senado. A escolha é dada como certa, reiterando o que o cientista político Vitor Oliveira falou em nosso último podcast: incumbente forte, em eleição majoritária uninominal que conta com o apoio do Poder Executivo tem tudo para se manter onde está.
No Senado, reforçando a ideia de que pode haver forte resistência a Lula sob a próxima composição com os eleitos de 2022, já houve anúncio no final do ano passado de uma candidatura bolsonarista confirmada essa semana pelo Partido Liberal. Assim, Pacheco terá um adversário, e trata-se do ex-deputado federal do Rio Grande do Norte e membro do governo anterior Rogerio Marinho (RN), que sequer tomou posse do cargo conquistado em outubro, quando obteve pouco menos de 42% dos votos potiguares. Importante lembrar que Davi Alcolumbre (UB-AP) e o próprio Pacheco se tornaram presidentes do Senado em seus mandatos iniciais, com o amapaense chegando à cadeira depois de quatro anos na Casa (foi eleito em 2014 e assumiu a liderança geral em 2019) e o mineiro depois de dois anos (foi eleito em 2018, e chegou ao cargo que ocupa hoje em fevereiro de 2021). O apoio à recondução de Pacheco passou por negociação envolvendo diretamente o presidente Lula e o líder nacional do PSD, Gilberto Kassab, hoje secretário estadual poderoso em São Paulo e maior entusiasta da carreira política de Tarcísio de Freitas, sobretudo depois que o governador paulista do Republicanos deu mostras de que não tem vínculo tão visceral com Jair Bolsonaro. Kassab teria buscado garantir o apoio de seu partido a parte da agenda do Palácio do Planalto sob duas condições mais fáceis de serem visualizadas: dois ministérios e a sustentação do governo e do PT a Pacheco. Findou levando três pastas, com dois senadores e um deputado federal empossados. Carlos Fávaro (MT), que ainda tem quatro anos de mandato e foi eleito extemporaneamente no lugar de Selma, a juíza aposentada “lavajatista” cassada por crime eleitoral, comanda a poderosa Agricultura, que uma horda mais intensa de bolsonaristas já veio a público reclamar que está desmontada diante de mudanças que levaram organismos da área para o Ministério do Meio-Ambiente. Alexandre Silveira (MG) ficou com as Minas e Energia, e seu mandato termina em fevereiro, depois de substituir, como primeiro suplente, Antônio Anastasia que foi para o Tribunal de Contas da União em 2022. Ocupando espaço que chegou a ser pleiteado pelo Partido Verde, o deputado federal André de Paula (PE), que tentou sem sucesso a eleição para o Senado em 2022, ficou com a pasta da Pesca. Acordos devida e aparentemente cumpridos, não parece haver grande dificuldade para Rodrigo Pacheco se reeleger.
Na Câmara, Lira não é exatamente a figura dos sonhos de Lula. Mesmo após a eleição, o comandante da Casa do Povo buscou alguns conflitos, sobretudo para garantir a vigência de sua principal ferramenta de poder em termos orçamentários. E lembremos: a forma como ele fez campanha para ocupar o lugar em que está foi intensa e extremamente vinculada à figura de Jair Bolsonaro. Em 2021, seu maior adversário foi Baleia Rossi (MDB-SP), sendo que o paulista contava com o apoio frustrado do então presidente Rodrigo Maia, envolvido em brigas internas no interior de sua então legenda (DEM) e enfraquecido por uma tentativa de interpretação alucinada do texto constitucional em busca de mais uma possibilidade para enfileirar um quarto mandato seguido no comando da Câmara. Lira colou sua imagem ao Planalto e chegou a parecer inconveniente, mas levou o pleito controlando os interesses do amorfo e (in)dimensionável Centrão – fenômeno que não agrada muitos cientistas políticos, mas facilita bastante análises mais comuns. Para além de garantir a Bolsonaro que nenhum processo de impeachment seria levado adiante, o alagoano foi acusado de açodar o processo legislativo, passando a controlar e a ser acusado de mentorar o maior esquema de distribuição oculta de emendas parlamentares da história do Brasil. Escândalo deflagrado pelo Estadão mostrou que as “emendas do relator” movimentou bilhões de reais em anos recentes, garantiu parte do titubeante equilíbrio de governabilidade na relação Executivo-Legislativo e contribuiu muito para a reeleição de diversos deputados. Uma correlação entre recursos recebidos desse modelo turvo de distribuição de emendas e a quantidade de votos obtidas nos estados seria prato cheio para qualquer artigo científico na Ciência Política, mas se por um lado o Supremo Tribunal Federal frustrou Lira e proibiu a prática a partir de 2023, suas ordens para que o parlamento tornasse pública a distribuição precisa desse dinheiro não foi adiante, e improvavelmente prosperará nos próximos tempos. Concomitantemente, Lira se reelegeu como o deputado federal mais votado de seu estado louvando os recursos levados para Alagoas sob o bordão “Arthur é f*da”, mesmo perdendo a queda de braço estadual em torno dos pleitos majoritários contra seu principal inimigo: Renan Calheiros (MDB). Paciência. A despeito da proximidade entre o emedebista e o presidente Lula, é fato que Lira conquistou um espaço nessa relação, e tendo o controle de parte dos seus pares, nas últimas semanas amealhou apoios de 16 legendas que se comprometeram a apoiá-lo – lembrando que o voto nessa eleição é secreto. Assim, ele teria o Planalto e alguns partidos, incluindo a improvável dupla PT e PL, e o seu próprio PP, consigo. A disputa deve ocorrer de forma bastante desigual, sendo improvável que uma candidatura tão estruturada e que trabalha para se manter no poder seja sombreada por algum nome de última hora que, até agora, não surgiu faltando menos de 15 dias para o pleito – que será realizado no dia 1º de fevereiro em meio à posse do novo Congresso. Lira, inclusive, já recebeu um presente do Planalto e deu outro ainda mais especial aos seus pares, talvez como parte de sua campanha. Lula sancionou lei que reajustou a remuneração dos servidores da Câmara, e o deputado alagoano tratou de aumentar em 6% a verba de gabinete dos parlamentares para 2023, com mais 6% garantidos em 2024 e outros 6,1% em 2025. Precisa mais? Lembremos que está em R$ 111 mil mensais o volume de recursos que cada deputado federal tem à disposição para a contratação livre de algo entre cinco e 25 secretários parlamentares para atuarem em Brasília ou em suas bases políticas com salários que variam entre mil e pouco menos de 16 mil reais mensais. Lembremos também que em “raros” casos é desse recurso que saem as criminosas rachadinhas e alguns outros escândalos. Assim, que venha o dia 1º de fevereiro, e salvo algum desalinho, o que talvez seja a eleição para as presidências mais previsíveis dos tempos recentes.
Um detalhe final: grandes acordos tendem a formatar a Mesa Diretora de cada Casa. O cargo de presidente é o primeiro a ser eleito, e a formatação partidária dos cargos de vices e secretários oferta a exata dimensão de como os bastidores funcionam e funcionarão em termos partidários no Legislativo nacional pelos próximos dois anos.
Créditos da imagem: EVARISTO SA