Joyce Luz

Na última semana, as imagens da desnutrição de uma mulher Yanomami e, posteriormente, a notícia de sua morte chocaram – ou deveriam ter chocado – não só o Brasil, mas o mundo todo. Pertencente a comunidade Kataroa, o retrato do corpo debilitado, com as costelas aparentes não demonstram só os claros sinais de desnutrição, deixam claro, também, o absoluto descaso do governo para com as comunidades e povos tradicionais.

Ainda em junho de 2022, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), produziu uma resolução alertando o governo brasileiro sobre as condições da tribo. De acordo com alguns trechos do relatório da corte era preocupante as condições nas quais a comunidade vivia com: “o aumento de enfermidades em função da contaminação por mercúrio, da propagação de doenças contagiosas como o Covid-19, do lento avanço da vacinação das comunidades tradicionais, do aumento dos casos de malária, da falta de medicamentos básicos e do agravamento da desnutrição infantil e da insegurança alimentar”.

O Ministério Público (MP) também gerou alertas sobre a situação crítica e desumanada dos povos da região. De acordo com as informações apuradas pelo MP:  em 2019, foram registrados 117 óbitos, do total de 1329 nascimentos na região, uma taxa de mortalidade infantil de 88,04. Em 2020, esse índice saltou para 112,38. Já em 2021, apenas nos três primeiros meses do ano, foram 20 óbitos para 150 nascimentos, taxa de mortalidade de 133,33. Entre as principais causas das mortes estavam a desnutrição e o contágio de doenças.

E qual foi a resposta do governo federal frente a essa situação? A flexibilização de regras e incentivos cada vez maiores para a atividade do garimpo ilegal na região. Ainda em fevereiro de 2022, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) emitiu um decreto que institui o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala (Pró-Mapa), cujo objetivo seria o de estimular o desenvolvimento da mineração artesanal, em pequena escala a ser realizado de forma sustentável. Na prática, contudo, o decreto foi uma das formas que o governo encontrou para legalizar as atividades de garimpo que, em sua essência, não combinam em nada com práticas sustentáveis. As atividades de garimpo na região são as maiores responsáveis pela contaminação das águas e aumento dos casos de malária, devido o avanço do desmatamento.

Também de acordo com os dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento do governo federal (SIOP), nos últimos 4 anos, o governo destinou apenas, em média, 45 milhões de reais para a manutenção e proteção dos povos indígenas no país. Só no último ano, o governo federal bloqueou R$ 250 milhões do orçamento destinado à Secretaria Especial de Saúde (SESAI). O bloqueio, de acordo com nota divulgada pela SESAI, atingiu seis ações de governo, incluindo combustíveis, transporte, convênios com entidades sem fins lucrativos e obras de saneamento básico.

E nesse cenário todo, o Legislativo brasileiro também precisa ser responsabilizado pela situação de calamidade em que vivem os Yanomamis. Responsável por fiscalizar as ações –  ou a ausência delas –do Poder Executivo, o Congresso Nacional, talvez mais interessado em manter a riqueza extraída com o garimpo, mostrou-se ser conivente com o descaso do governo. E pior: fechou os olhos e cruzou os braços sob as condições cruéis que esses povos são obrigados a viver.

Como consequência das cenas veiculadas sobre a situação dos povos Yanomamis, o Governo Federal, já sob o comando de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), declarou emergência em saúde pública no território indígena. Na prática isso permite ao governo realizar uma série de ações imediatas para tratar da situação local. Entre tais medidas estão o envio de equipes médicas para reforçar o atendimento em saúde da população local, a ampliação da capacidade da pista para pousos locais e a distribuição de cestas básicas e suplementos alimentares.

O atual cenário entristecedor da situação desumana dos povos Yanomamis pede, no entanto, mais do que ações emergenciais. É preciso que agora o governo federal , juntamente com o Poder Legislativo, comecem a trabalhar mais ativamente na construção de políticas públicas eficazes e permanentes com foco na proteção e preservação das comunidades indígenas. Parte desse planejamento, começa, sem sombra de dúvidas com dois grandes desafios: garantir o acesso à saúde pública de qualidade e acabar de uma vez por todas com as atividades ilegais de garimpo e desmatamento.