Eleição de 2022: os efeitos do fim das coligações e mudanças nas sobras eleitorais nos sistemas partidários subnacionais
João Paulo Viana e Márcio Carlomagno
Desde o início da redemocratização, mais especificamente após a Constituinte de 1988, a questão do número de partidos tem se caracterizado como um dos temas mais intrigantes do sistema político brasileiro. Embora nosso modelo proporcional, adotado ainda durante a era Vargas, encontre justificativa em uma sociedade plural e heterogênea, desde o início da década passada o aumento exponencial no número de legendas com assentos na Câmara dos Deputados e Assembleias Legislativas fez surgir no caso brasileiro o mais fragmentado sistema partidário entre as democracias ocidentais. Não obstante, o fim das coligações proporcionais que, após um período experimental nas eleições municipais de 2020, entrou em vigor pela primeira vez nas eleições gerais de 2022, vem contribuindo significativamente para a mudança desse quadro.
Como muito já foi divulgado, na legislatura que tomará posse na Câmara dos Deputados dia 1º de fevereiro, o valor geral do número efetivo de partidos (NEP) caiu, pela primeira vez desde 1998. Após atingirmos o recorde de 16,5 partidos efetivos em 2018, a legislatura eleita em 2022 resultou em 9,9 partidos efetivos. As reformas eleitorais promovidas nos últimos anos, especialmente o fim das coligações nas disputas proporcionais (lei nº 13.488/2017) surtiram efeito. Como exposto anteriormente, a eleição de 2022 foi o primeiro pleito nacional que essa nova legislação foi aplicada, após entrar em vigor nas eleições municipais de 2020. Mas ainda resta a questão: será que essa redução que vimos foi um resultado global, generalizado entre todos estados brasileiros, ou fruto de movimentos pontuais, ainda existindo discrepâncias regionais?
Para verificar isso, a partir dos dados do TSE, calculamos o NEP por estado, considerando as cadeiras obtidas pelos partidos no resultado eleitoral (aqui não contemplamos eventuais mudanças fruto de fusões ou trocas partidárias após o pleito), tanto para o cargo de deputado federal como também para o de deputado estadual – âmbito muitas vezes relegado nas análises. Para ter uma perspectiva dos efeitos gerados, comparamos os resultados obtidos em 2022 com os obtidos em 2018. Os gráficos a seguir mostram a diferença no Número Efetivo de Partidos, por estado, de uma eleição para outra.
Os resultados são impressionantes. Tanto nas disputas para deputados estaduais quanto para deputados federais, em 100% dos casos houve diminuição do NEP. Cabe ressaltar, porém, que a intensidade desse impacto não foi igual para todos. Enquanto em estados como o Paraná (tanto para estadual quanto para federal) houve grande redução, estados como Ceará e Bahia (no caso dos estaduais) ou Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro (no caso dos federais) tiveram redução aproximada ou menor do que 1 partido efetivo. Já os dois maiores estados da federação, São Paulo e Minas Gerais, apresentaram ambos resultados satisfatórios, entre 4 e 5 partidos efetivos, próximos da redução média nacional.
Outra alteração legislativa importante sobre a fórmula eleitoral, pela primeira vez aplicada na disputa nacional, foi a permissão para partidos que não atingiram o quociente eleitoral disputarem as chamadas “sobras eleitorais”. Na distribuição de cadeiras, geralmente, após a primeira rodada, calculada a partir do quociente eleitoral, ainda restam vagas a serem preenchidas. Até 2018, apenas partidos que obtiveram cadeiras na primeira rodada participavam das rodadas seguintes. Em 2020, todos partidos puderam participar da disputa das sobras. Percebendo que isso poderia anular o efeito redutor de partidos intencionado pelo fim das coligações, em 2021 o Congresso aprovou nova alteração legislativa, com um meio-termo. A Lei 14.211/2021 estabelece que, a partir de 2022, podem disputar as sobras os partidos que alcançaram ao menos 80% do quociente eleitoral. Em teoria, isso ainda poderia funcionar como um contrapeso ao fim das coligações, criando incentivos na direção oposta, de aumentar ou manter a fragmentação. Nesse sentido, cabe perguntar: qual grau de benefício a partidos menores ocorreu em virtude dessa mudança?
Para calcular isso, verificamos entre os partidos que obtiveram cadeiras, aqueles que não ultrapassaram o quociente eleitoral, portanto, sendo beneficiados pela mudança do regramento legal. Os resultados estão expressos no gráfico a seguir.
Como percebemos no gráfico, na maior parte dos estados (com exceções pontuais) houve benefício a partidos que, em virtude da nova legislação, elegeram representantes mesmo sem atingir o quociente eleitoral. Em alguns estados, como Tocantins e Espirito Santo, o patamar chega a metade dos partidos com representação. Significa dizer que, caso o legislativo deseje aprofundar a redução do número de partidos efetivos no Brasil, basta retornar esse dispositivo ao formato existente até 2018, impedindo que partidos que não atingiram o quociente eleitoral disputem as sobras eleitorais. Isso tenderia a aumentar ainda mais a redução do número de partidos.
A reforma eleitoral ainda não terminou. A lei já aprovada prevê o aumento incremental dos incentivos para redução do número de partidos até 2030, quando teremos o cenário completo. Vigorando no patamar 2% na eleição de 2022, o dispositivo da cláusula de desempenho, pré-requisito para acesso a recursos públicos de rádio e TV e o fundo partidário, chegará ao patamar de 3% no ano de 2030. Embora as mudanças sejam paulatinas, a nova legislação eleitoral já demonstra o primeiro sinal claro de sua eficácia. O número de partidos foi reduzido e, ao que parece, a governabilidade, ao menos no que depende desse elemento, pode voltar aos patamares que vigoraram entre 1990 e 2006. Trata-se de um bom começo para abandonarmos o título de detentores do sistema político mais fragmentado do mundo ocidental.