Saber e não fazer é o mesmo que…
Eduardo Seino e Danilo Forlini
Se fizermos uma busca rápida sobre países que possuem alguma legislação determinando a obrigatoriedade do ensino de temas como cidadania, participação cívica, respeito à diversidade ou educação política, encontraremos diversas leis de diretrizes educacionais. No Chile, por exemplo, a Lei Geral da Educação (Lei nº 20.370/2009) tem como princípio o “respeito à diversidade” e como objetivo do ensino médio o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e atitudes que permitam o exercício da cidadania ativa e a integração na sociedade. Por sua vez, a Lei Orgânica da Educação espanhola (Lei nº 02/2006) prevê, já na educação infantil, o ensino de valores cívicos para a convivência e, posteriormente, uma matéria intitulada “Educação em valores cívicos e éticos”.
No Brasil não é diferente. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei Federal nº 9.394/1996) coloca como objetivo da educação o desenvolvimento do educando para: “prática social”, “exercício da cidadania”, “respeito à diversidade humana”, “compreensão do sistema político”. No mesmo sentido, a Base Nacional Curricular Comum (BNCC) estabelece uma competência específica na área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas no ensino médio que visa o exercício da participação cidadã e do debate público, o respeito aos princípios constitucionais e direitos humanos e o conhecimento de conceitos políticos básicos. Parece claro, portanto, que existe reconhecimento institucional sobre a importância de uma formação cidadã específica.
Adicionemos a isto o drama contemporâneo das fake news, abordado em texto anterior[1], que tornou urgentíssima a estruturação de uma estratégia de combate à desinformação em favor da proteção da democracia.
Estabelecida a relevância da pauta, podemos nos perguntar se existem experiências pedagógicas e metodologias aplicáveis a uma “educação para a cidadania”[2]. As iniciativas nesse sentido são muitas[3]. Um exemplo significativo e que pode ser observado em diversos lugares são os projetos “Parlamento Jovem”, usualmente realizados por Escolas do Legislativo em todo o país. Este tipo de projeto, em geral, envolve formação política de jovens, na qual estes têm a oportunidade de elaborar proposituras e simular vivências equivalentes às atividades de vereadores ou deputados. Os projetos de formação cidadã também ocorrem por meio de cursos, oficinas e visitas monitoradas promovidas pelos Poderes Legislativo e Judiciário, especialmente a Justiça Eleitoral.
No Terceiro Setor existem várias instituições que vem desenvolvendo ações de educação para a cidadania, como é o caso do Movimento Voto Consciente[4] e da Fundação Konrad Adenauer, inclusive produzindo materiais que expõem não somente conteúdos de educação política, mas demonstram como foram realizadas experiências exitosas. Na iniciativa privada, algumas empresas patrocinam cursos e palestras de educação política para seus colaboradores. Na universidade, há estudos que discutem metodologias ativas no ensino da cidadania, utilização de jogos teatrais, simulações, debates e uma série de outras possibilidades didáticas para que seja um processo de aprendizagem engajador[5].
No entanto, todas estas iniciativas ainda são tímidas em relação ao seu potencial de alcance. Não podemos esquecer que a democracia também é um conhecimento que precisa ser experimentado na prática a partir das discussões de questões públicas, do exercício da criação e construção coletiva e da possibilidade de interferir nas decisões públicas por meio de instâncias de participação social disponíveis em nossa democracia. Estes elementos, infelizmente, encontram-se distantes da realidade de boa parte dos cidadãos.
O Novo Ensino Médio, apesar de apresentar consideráveis fragilidades na forma como se constitui, abre a possibilidade de se trabalhar a formação cidadã. É possível que as Secretarias Estaduais de Educação (ou até mesmo os professores individualmente) proponham disciplinas inteiras sobre educação política que englobem os temas e conteúdos abordados até aqui. Da mesma forma, as redes municipais de ensino e os Legislativos locais podem firmar parcerias para desenvolver atividades contínuas de educação para a cidadania no âmbito do município. Existem profissionais com experiência e capacidade formativa que podem orientar e metodologias com resultados positivos.
Assim como em algum momento da história as disciplinas de Sociologia, Biologia ou Artes constituíram-se como campos do conhecimento necessários à formação das crianças e adolescentes na Educação Básica, já não passamos do ponto de estabelecer a Cidadania e a Formação Política enquanto saberes básicos para serem trabalhados nas salas de aula de todo o país?
Em resumo: sabemos da importância e da necessidade, temos respaldo legal, existem profissionais com expertise e possuímos inúmeros registros de experiências e projetos bem-sucedidos em iniciativas pontuais. Por que, então, não estamos fazendo em larga escala?
[1]https://votoconsciente.org.br/2022/12/08/democracia-fake-news-e-delirio-coletivo/ / https://www.estadao.com.br/politica/legis-ativo/democracia-fake-news-e-delirio-coletivo/
[2] Utilizamos o termo educação para a cidadania, mas existem diversas variações, como: educação para a democracia, educação política, letramento político, educação democrática/cidadã, entre outros.
[3] Alguns exemplos podem ser vistos em: https://www.kas.de/c/document_library/get_file?uuid=1893b872-84fb-cf9e-d835-25b1cf469117&groupId=265553
[4]https://votoconsciente.org.br/
[5] Ver “Teatrágora: improvisação e teatro como possibilidades metodológicas na educação para a democracia” (FORLINI, 2022). Acesso em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/217907