Governabilidade – um fenômeno e suas explicações e dimensões
Humberto Dantas
Em 2019, lançamos em esforço coletivo dos mais expressivos o livro Governabilidade, editado pela Fundação Konrad Adenauer e fruto da associação de parte significativa dos cientistas políticos que escrevem nesse blog. A partir de então, passamos a acompanhar o fenômeno objeto de tal obra no cotidiano do governo do então presidente Bolsonaro de forma ainda mais atenta, com dois intuitos centrais.
O primeiro deles, verificar a existência de condições mínimas de governabilidade a partir da ideia de que tínhamos um presidente que afrontava parte expressiva do que entendíamos sobre o fenômeno na obra. O Planalto entrou em conflito aberto contra o Poder Judiciário, que ganhou dimensões políticas ainda mais significativas nos últimos anos, em parte por conta do protagonismo do STF e de certo açodamento do processo legislativo que findou transformando a justiça no espaço de combate entre situação e oposição. Ademais, as falas intensas contra os partidos alteraram, numa visão minimamente simplista, as relações entre Executivo e Legislativo no país, sendo o advento do orçamento secreto a peça mais emblemática das mudanças, simbolizando pagamento adicional de emendas orçamentárias para além das desafiadoras emendas impositivas. Por fim, Bolsonaro não se entendeu com parcelas da mídia, investiu numa comunicação oficial pautada em estratégias virtuais e, principalmente, dividiu o país a partir de discursos intensos e contestáveis, inflamando sua militância, mas gerando ojeriza em parte significativa dos brasileiros. O governo de conflito, e em constante conflito, conforme destaquei em diversos textos, demonstrou intensidade exacerbada, e o resultado todos nós conhecemos.
A derrota apertada nas urnas em 2022 trouxe nova realidade, e a partir de então, nos resta lançar um novo livro, uma espécie de Governabilidade Parte 2 que considerará, inclusive, aspectos da ordem internacional e das forças armadas no dimensionamento de tal fenômeno. O time de autores, concentrado no blog, está mantido, mas teremos novidades. Ademais, importante salientar, que a editora será a mesma e o lançamento está previsto para o começo de 2024.
O segundo intuito central está atrelado à ideia de tentarmos aferir, por meio de números, o que chamamos de governabilidade. E isso foi possível com esforços de ao menos três anos direcionados para outras parcerias. A 4i, empresa de inteligência de dados e análises conjunturais e a Agência Estado, com destaque para o Broadcast Político que terá a iniciativa de divulgação dos resultados mensais em primeira mão, são os atores centrais. Os cientistas políticos Joyce Luz, José Mario Wanderley Gomes Neto e eu, Humberto Dantas, associados aos cientistas de dados da 4i, estabelecemos escolhas metodológicas e constituímos uma série história de 20 anos que resultou no I-GOV.
O Índice de Governabilidade (I-GOV) é composto por três dimensões que buscam compreender, de forma combinada, a capacidade de o Planalto levar adiante sua agenda nas relações com o Legislativo, o Judiciário e a Opinião Pública. Cada uma destas dimensões é compreendida sob um indicador simbólico: a aprovação, ou não, de forma pura ou emendada, de medidas provisórias enviadas pelo Executivo ao Congresso Nacional; o julgamento, favorável ou contrário, do STF das ações diretas de inconstitucionalidade que envolvam interesses diretos do Poder Executivo e; a aferição da avaliação do governo por parte dos cidadãos por meio de pesquisas, atrelada às sensações conceituais positivas – ótimo e bom; neutras – regular e; negativas – ruim e péssimo. A combinação simples dessas três dimensões resulta no I-GOV calculado desde Lula I até o fim do governo Bolsonaro, e a partir do atual governo divulgaremos mensalmente o resultado, começando pelo relatório de JULHO, que afere JUNHO, quando o destino das primeiras MP’s de Lula foi definido pelo parlamento.
O que se nota na série histórica de 20 anos é que desde 2013 o Brasil alterou de forma acentuada seu padrão de governabilidade. A partir das jornadas que proclamaram um distanciamento ainda maior da sociedade à política, e resultou no novo fortalecimento da direita no país, os resultados mudaram de patamar, e a partir de então as dificuldades de Dilma Rousseff e o seu processo de impeachment, a péssima avaliação de Michel Temer e a intensidade de Bolsonaro configuraram novas formas de se entender o fenômeno de sustentação da agenda presidencial.
No presente, o indicador de junho de 2023, o primeiro de Lula, apenas segue o ritmo da década atual que simboliza as dificuldades apresentadas. Numa escala de 0 a 100, o presidente começa em 48 pontos, com as três dimensões apontando para resultados que merecem atenção. Junto ao Judiciário, a faixa de 70 pontos de Bolsonaro é mantida. O primeiro semestre do ano foi marcado, desde fevereiro, com a volta do recesso da magistratura, por apreciações de questões postas à Corte no mandato anterior, sendo que o histriônico Bolsonaro cedeu espaço a um presidente que, ao menos em relação ao STF, parece ser mais estratégico e contido – a despeito de uma verborragia que por vezes parece insana. A diferença de postura é nítida, mas os resultados não mudam muito. Já em relação à opinião pública, Lula começou o ano em patamar positivo inferior ao de seu antecessor, e com uma avaliação negativa já próxima dos 40 pontos. A diferença é que se Bolsonaro precisou de apenas seis meses para perder parte de sua positividade e adicionar ao seu mandato parcela preocupante de negatividade, no primeiro semestre de 2023 Lula apenas andou de lado. Por fim, o Legislativo. Não estamos falando em reformas ministeriais e em ajustes nas equipes do Executivo à toa. Para além de colher maus resultados em votações estratégicas, com sete MP’s caducadas e quatro aprovadas com emendas no primeiro semestre de poder, Lula percebeu que a base montada não lhe garante conforto. Numa escala de 0 a 100, colheu apenas 18 pontos na dimensão legislativa e sabe que isso prejudicará demais seu trabalho. Resultado: se a estabilidade com tendência a melhora junto ao povo é uma realidade, e os desafios no Judiciário são passíveis de contornos estratégicos, a atenção da articulação política precisa estar toda voltada para o Legislativo.
— Confira aqui a íntegra das explicações metodológicas e da série de 20 anos do I-GOV
— Confira aqui a íntegra do Relatório de julho de 2023 do I-GOV relativo a junho