Reflexões sobre a reforma política de 2025 – nacionalizando parte do parlamento nacional
Humberto Dantas
No dia 08 de setembro me envolvi num bom debate com Graziella Testa e Vitor Oliveira em mais um episódio do podcast desse blog que vai ao ar às sextas-feiras. Diante de nova rodada das, por vezes, açodadas reformas políticas em anos ímpares que enfrentamos nesse país, falávamos sobre o quanto tratamos de maneira regional uma eleição para a composição de um organismo nacional como a Câmara dos Deputados. Defendíamos, a partir de uma provocação muito interessante e, para nós até ali inédita, de Graziella Testa, que as regras para a definição dos deputados federais poderiam ser alteradas, respeitado o caráter proporcional e regionalizado do pleito, mas promovendo a nacionalização de um critério para o acesso às sobras distribuídas pelo cálculo das maiores médias, dado que os partidos são organismos nacionais. Tal ponto não precisaria ser definido agora, mas sim a partir de 2025, com vistas ao pleito de 2026. Aqui uma primeira abertura de parênteses: percebe o que é uma discussão madura? Em 2023 estamos sugerindo algo para ser definido em 2025, observando as eleições de 2026…
Mas vamos aos pontos considerados e discutidos por nós que justificam esse registro:
1 — Os distritos desenhados para a composição da Câmara dos Deputados passam pelo desnivelamento mais acentuado do Brasil, com um agravante: são os únicos que, desnivelados, compõem um mesmo parlamento. As Câmaras Municipais, por exemplo, variam de nove a 55 representantes, mas cada uma tem vida própria no município. A Câmara dos Deputados não: variam de oito a 70 para a composição do mesmo parlamento, os partidos em tese são nacionais e não há critério dessa natureza, nacionalizado, para sua composição. Assim, impor uma variável nacional para esta eleição parece razoável. Insisto: enquanto a menor câmara municipal tem nove vagas e a maior possui 55, ou seja, a diferença supera discretamente seis vezes, e a menor assembleia legislativa tem 24 deputados estaduais e a maior 94, com diferença inferior a quatro vezes, o maior distrito para deputado federal tem 70 eleitos e o menor apenas oito, uma desproporção de quase nove vezes que somada ao fato de ser usada para a composição de um mesmo coletivo poderia justificar algum tipo de alteração para os cálculos de sua composição;
2 — Os partidos políticos brasileiros são nacionais, de acordo com as regras e com várias interpretações do Tribunal Superior Eleitoral, bem como a Câmara dos Deputados, obviamente, também é um organismo legislativo nacional. Se assim o são, por que não existe regra nacional de acesso à Câmara? Por que o parlamento eleito proporcionalmente no Brasil respeita exclusivamente características estaduais em pleitos estritamente locais?
3 — Existem exemplos recentes de reformas que buscam reduzir o número de partidos no parlamento, sendo os principais a cláusula de desempenho que faz exigências graduais até 2030 e a volta da lógica de atingimento estadual de 80% do quociente eleitoral para a participação na distribuição das sobras pelo método das maiores médias – antes de um período mínimo em que ficou em 0%, e dos 100% que vigorou por muitos anos;
4 — Considerando que as eleições para deputado federal, em ampla medida, definem nacionalmente a distribuição de recursos do fundo eleitoral, e exclusivamente, determinam nacionalmente uma série de outros indicadores e valores, tais como os percentuais para a obtenção de assinaturas para a apresentação de projetos de leis de iniciativa popular (1% dos votos válidos no pleito mais recente), criação de partidos (0,5% dos votos válidos), distribuição do fundo partidário e definição do horário eleitoral e partidário gratuito, não seria razoável que também determinasse a própria composição da Câmara em algum momento?
Assim, nos perguntamos: por que a cláusula de desempenho nacional não determina também o acesso dos partidos políticos à distribuição das sobras? Obviamente poderíamos nos perguntar por que uma cláusula dessa natureza não elimina o partido de toda a disputa, ou seja, por que o regramento nacional é mais fraco que o desempenho regional, e mesmo individual, do parlamentar? Mas deixemos isso de lado, pois sabemos das concessões trazidas nesse processo ao longo da tramitação de tal edição da reforma política, e voltemos.
Sabemos que os partidos que não atingem ao menos 80% do quociente eleitoral (QE) em cada estado não participa das sobras, mas nossa pergunta é: por que o critério aqui não poderia ser outro, atrelado à cláusula nacional de desempenho? Para Graziella Testa este deveria ser o único ou maior critério, e eu particularmente tenho dúvidas sobre isso. Ainda assim, a adição do caráter nacional de exigência para a composição de um parlamento nacional parece razoável.
Assim, sem qualquer simulação que tratasse do uso regional de cada QE, em cada estado, ou seja, sem tornar o que Graziella Testa propõe, ou sem entrarmos em grandes simulações sob o uso das bases de dados e cálculos eleitorais como Vitor Oliveira deseja fazer, vamos ao que debatemos.
Com base na lista disponível no site do Tribunal Superior Eleitoral para o pleito de 2022, dos 513 deputados federais eleitos, 178 chegaram à Câmara por MÉDIA, o que equivale a 35% do parlamento nacional. Não estamos mexendo nas federações, ou seja, PV e PC do B dependentes do PT estão preservados, assim como Cidadania e PSDB, bem como Rede e PSOL continuariam inalterados em seus resultados porque aceitaram um modelo de união desejado por reformas políticas recentes para a redução dos partidos.
Dessa forma, se a cláusula de desempenho nacional que passou a funcionar em 2018, e sua intensificação na versão 2022, fosse critério nacional para a participação nas sobras locais, exclusivamente para a composição da Câmara Federal, nove deputados federais seriam impedidos de tomarem posse por legendas que não performaram conforme o necessário. O PTB desapareceria, pois o único parlamentar escolhido pela legenda se elegeu por média. O PROS e o NOVO cairiam de três eleitos para apenas dois cada um, o Patriota e o Solidariedade, que elegeram quatro deputados, cairiam para, respectivamente, três e dois. Já o PSC encolheria de seis para três parlamentares e, assim, segundo o que parecem pretender propostas recentes de reforma política, acelerariam seus processos de fusão, federalização, incorporação ou mesmo desaparecimento – algo que Solidariedade e PROS já findaram fazendo. Notemos: a regra é simples e a exigência coerente com o caráter nacional dos partidos, bem como do próprio parlamento. Assim: por que não?
Importante reforçar que este debate pode ser levado para 2025 e deve servir exclusivamente para os deputados federais e senadores decidirem, nunca para o ativismo da justiça eleitoral em suas interpretações, por vezes, ininterpretáveis.