Dolores Silva

O derretimento das calotas polares, a fumaça e a seca no estado do Amazonas são parte do mesmo processo de mudanças climáticas, cujas manifestações já assistimos cotidianamente em diferentes contextos. No início de outubro o jovem deputado estadual Amon Mandel (Cidadania), defendeu intervenção federal no Amazonas em função da condição de calamidade produzida pelas secas, destacando as dificuldades da população do interior e a falta de capacidade técnica dos municípios para lidar com essa catástrofe ambiental.

A mitigação dos efeitos das mudanças climáticas é uma urgência para a qual a gestão pública não está preparada, não só no Amazonas, e evidencia a abordagem do movimento por justiça ambiental, que aponta como primeiras e maiores vítimas dos impactos ambientais os grupos socialmente marginalizados, tais como os indígenas e ribeirinhos eu vivem na região amazônica. Segundo o Censo do ano de 2022, divulgado pelo IBGE, o Amazonas tem 3.941.613 habitantes e tem a maior população indígena de todas as unidades federativas do país.  Com 62 municípios, a capital Manaus cresceu mais que o dobro da média nacional e concentra mais de 50% da população do estado.

A maior seca dos últimos 120 anos deixou os portos da Zona Franca de Manaus com capacidade reduzida, o valor do frete aumentou e a população do interior do estado, especialmente as que residem em municípios do alto Solimões, teve que ser socorrida pelo Estado. As comunidades ribeirinhas, que têm o pescado com base alimentar, ficaram isoladas sem água e sem alimentos. Ocorre que essa situação de calamidade pública não foi gerada apenas pelo fenômeno El Niño, as intensas modificações no meio ambiente tornam os fenômenos naturais mais recorrentes e violentos.

Alertas aos gestores políticos e apelos à adoção de mudanças no estilo de vida dos indivíduos estão há bastante tempo na agenda do ambientalismo. No campo político, desde o estudo encomendado pela ONU ao MIT, intitulado Os Limites do Crescimento, propaga-se no debate internacional a proposta de controle do processo de desenvolvimento econômico em benefício da proteção do meio ambiente. As recomendações apresentadas na Conferência de Estocolmo, em 1972, enfrentaram resistências dos representantes dos países em desenvolvimento, visto que atribuíam custos à prevenção de degradação ambiental aos países pobres, quando as nações ricas já tinham adquirido supremacia econômica sem imposições de controles ambientais. Contudo, esse debate internacional determinou iniciativas que viriam configurar-se em estruturas de governança ambiental no Brasil. A SEMA (1973) e a Política Nacional para o Meio Ambiente (Lei nº 6938/1981) foram criadas em pleno regime militar desenvolvimentista.

No final da década de 1980 o relatório “Nosso Futuro Comum, que subsidiou a CONUMAD realizada no Rio de Janeiro em 1992, salientou ainda mais a questão ambiental em um mundo globalizado, com acesso às informações sobre queimadas e conflitos ambientais na Amazônia. A ideia de desenvolvimento sustentável passou à linguagem corrente da política e do marketing. No entanto, as sucessivas Conferências internacionais e relatórios de especialistas que insistiram em apontar os riscos de colapso ambiental não sensibilizaram alguns setores políticos e sociais, que sustentam que os diagnósticos ambientais geram um alarmismo inconsequente e generalizam toda sorte de interesses escusos camuflados sob a bandeira do ambientalismo.

No Brasil, desde o período eleitoral de 2018 que o negacionismo ambiental e científico se firmou como um dos elementos da polarização política entre a direita radicalizada e as forças políticas de centro-esquerda democrática. Apesar da derrota do candidato da direita em 2022, as consequências de suas ações de desmantelamento das políticas ambientais não se dissiparam. Além disso, a sintonia com as ideias do ex presidente ganhou força e representação nos parlamentos nacional e estaduais, os partidos alinhados com Bolsonaro alcançaram destacado desempenho na Amazônia Legal.

No estado do Amazonas nenhum partido de esquerda, historicamente alinhado com o ambientalismo, foi eleito para a Câmara dos Deputados, União Brasil, Republicanos, PSD, PL, MDB e CIDADANIA ocupam as nove cadeiras de deputados federais. Na bancada estadual o melhor desempenho foi do União Brasil e a Comissão de Constituição e Justiça, que dá aval ou veta todos os projetos que tramitam nos Legislativos, é presidida pelo PL.  O governador Wilson Lima (União) abraçou o bolsonarismo e depois de passar por quatro diferentes partidos (PV, PR, MDB, PSC) se reelegeu pelo União com 56,65% dos votos- apesar de sua crítica gestão durante a pandemia de Covid 19.

São os deputados e os governos eleitos, que deverão lidar com a mitigação da crise climática já instalada e negada por muitos deles. O que esses parlamentares propõem como políticas ambientais e de combate aos efeitos das mudanças climáticas? Pedir mais recursos ao governo federal sem elaborar a necessária associação entre as secas, as queimadas e as injustiças ambientais que assolam os grupos sociais mais vulneráveis, que vivem em todas as periferias, apenas repetirá a velha política do uso das desgraças sociais para se destacar politicamente.

Os complexos problemas ambientais seriam melhor enfrentados se as narrativas dos grupos políticos não camuflassem propósitos escusos, meramente alinhados com interesses do grande capital e com desprezo aos direitos dos grupos sociais vulneráveis da região amazônica. Até período recente o estado do Amazonas se destacava por sustentar sua economia na industrialização concentrada na Zona Franca de Manaus, mantendo sua exuberante floresta em pé. Mas esta via econômica nunca foi suficiente para tirar a maioria da população da pobreza, tampouco é a preferida da classe política da região e alhures, que vislumbra os louros da exploração de commodities no território que ainda é possível desmatar. A fumaça que encobre Manaus resulta de focos de incêndios que se acumulam na região de forma crescente.

A população local conhece bem os passivos ambientais gerados por investimentos em infraestrutura e pela exploração econômica na região. A despeito da criação de políticas regulatórias, de instituições de controle, do ativismo de organizações ambientalistas e da crescente conscientização social a respeito da finitude dos recursos naturais, a vida moderna segue seu curso de intenso impacto ambiental. Nossa dependência de energia, nossas práticas de consumo e a facilidade com que produzimos resíduos sólidos são os grandes motores da intervenção danosa sobre o meio natural. Tragicamente, os grupos periféricos sequer experimentam os confortos da vida moderna, apesar da conta chegar primeiro para essas vítimas ambientais.

No estágio atual de catástrofes que se sucedem, à política regulatória deve se somar um planejamento que agregue condições dignas de sobrevivência a valores que protejam o meio ambiente.  Não é suficiente abordar as mudanças climáticas pensando apenas em gerar lucros com a negociação do mercado de carbono e financiando a modernização ecológica do setor econômico. A pobreza em que vive a grande maioria da população amazônica aparece como mero elemento de retórica, quando não há um planejamento focado em reverter as riquezas geradas em benefício dos grupos sociais vulneráveis.