Vítor Sandes e Raul Bonfim 

A prerrogativa do Congresso Nacional de promover alterações no orçamento não é nova na democracia brasileira. Já na Constituição de 1946, que dá início ao primeiro experimento democrático brasileiro, os legisladores passaram a poder emendar o orçamento. Essa possibilidade, no entanto, é proibida a partir da Constituição de 1967, que estabelece as balizas institucionais do período autoritário. Por essa Constituição, caberia ao Legislativo somente aprovar ou rejeitar a proposta orçamentária apresentada pelo Executivo, não podendo alterar ou criar despesas.

 

Com o retorno à democracia, houve a promulgação de uma nova Constituição em 1988, em que se atribuiu uma série de prerrogativas ao Executivo, dentre elas o poder de iniciar o processo orçamentário, algo já observado em Constituições anteriores. Além disso, a Constituição define um novo modelo de planejamento orçamentário, com três instrumentos bastante conhecidos: o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA).

 

Usualmente, há uma atenção específica em relação à LOA, pois se trata do orçamento propriamente dito, em que se estima receitas e se estabelece as despesas do ano. É nesse instrumento que os parlamentares promovem alterações no orçamento por meio de suas emendas: as individuais, as de bancada e as de comissão. No período de 2020 a 2022, havia também as emendas de relator-geral (RP-9), denominadas popularmente de “orçamento secreto”. Devido ao seu caráter pouco transparente, elas foram declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro de 2022. Assim sendo, esse tipo de emenda voltou ao seu uso original, somente para a correção de erros e omissões.

 

É importante considerar, que os outros instrumentos de planejamento (PPA e LDO) também são fundamentais e, por meio deles, o Executivo apresenta as metas, programas e ações para a sua gestão, bem como o Legislativo tem a capacidade de alterá-las. Citando um caso concreto, já no início do governo Bolsonaro, o Legislativo criou a RP-9 por meio da LDO do ano de 2020, aprovada em 2019. Para termos uma ideia do impacto dessa decisão do Legislativo no orçamento, segundo dados do Siga Brasil, foi autorizado mais de 45 bilhões de reais em emendas deste tipo e pagos 32,7 bilhões de reais[1], ainda que estas emendas não sejam impositivas.

 

O Legislativo possui prerrogativas de apreciar, debater, alterar e aprovar os instrumentos de planejamento orçamentário propostos pelo Executivo. Por isso, há responsabilidade por parte do Congresso de cooperar, ainda que não haja uma obrigação institucional que isso aconteça da melhor forma. Em 2019, por exemplo, foram criadas as transferências especiais, por meio de Emenda Constitucional (EC), que, em termos gerais, desobriga que as emendas individuais – que se utilizam essa modalidade de transferência – sejam destinadas aos programas e ações definidas pelo PPA do governo federal e retiram a necessidade de estabelecer convênios, tornando assim os recursos mais descentralizados. Por um lado, isso visa atender às demandas das bases eleitorais dos parlamentares, sem amarras burocráticas, mas, por outro lado, isso torna a destinação de recursos pouco atreladas à proposta apresentada pelo Executivo e menos transparentes, pois não é possível identificar em quais políticas locais esses recursos foram inseridos. Ainda que essa alteração nas regras orçamentárias tenha sido promovida por uma EC, o Legislativo dispõe de instrumentos que permitem regulamentar e definir regras mais sólidas durante o processo de alteração do orçamento, o que envolve também as transferências especiais.

 

Um instrumento central do processo legislativo orçamentário e ainda pouco explorado pela literatura é o “Parecer Preliminar”. É esse instrumento que estabelece os parâmetros de atuação dos parlamentares no orçamento, o que inclui a atuação do próprio Relator-Geral e dos Relatores Setoriais, além das regras de aprovação das emendas orçamentárias. Em outras palavras: é o Parecer Preliminar que determina as regras do processo orçamentário no interior do Congresso Nacional, definindo o limite de atuação dos legisladores nesse processo.

 

Atualmente esse Parecer é elaborado de maneira colegiada pelo Relator-Geral e os Relatores-Setoriais. Todavia, seu processo de construção pode ser aperfeiçoado. Além de ampliar a diversidade de atores institucionais presentes, o Parecer também pode incluir, no processo da construção da sua redação, atores relevantes da sociedade civil organizada, permitindo, por exemplo, que mecanismos de transparência e controle possam ser garantidos.

 

Assim, é fundamental que sejam incorporados mecanismos de participação e controle ao processo orçamentário, inclusive por parte do Legislativo, por meio da sua Comissão Mista de Orçamento, que poderia, ao instituir mecanismos de participação da sociedade civil, atender demandas prioritárias da população de forma coletiva e democrática.

[1] Dados extraídos do Siga Brasil em 14 de novembro de 2023.