Como será a governabilidade de Milei na Argentina?
Cláudio André de Souza
A vitória do outsider Javier Milei nas eleições presidenciais da Argentina no domingo passado (19) com 55% dos votos, 11 pontos de vantagem para o atual ministro da Economia, Sergio Massa, inicia um novo capítulo histórico ao quebrar o modelo de polarização entre as forças político-partidárias neoliberais e peronistas. No entanto, a ascensão do ultraliberalismo e das pautas da extrema-direita no país enfrentarão sérios desafios para a sua efetivação institucional, inclusive, no que se refere à governabilidade
Um dos principais desafios que Milei enfrentará é de que maneira conduzirá um conjunto de decisões que mitigue a crise econômica que o país enfrenta. A Argentina tem uma inflação exorbitante, câmbio descontrolado e uma série de déficits fiscais, que desestabilizam a economia de forma sistêmica. Ou seja, o presidente eleito terá que lidar com a falta de consenso nacional sobre o quadro inflacionário e de juros no país, o que requer implementar reformas estruturais inexoravelmente em diálogo com o Congresso.
Diante de propostas estapafúrdias que foram mobilizadas retoricamente sob medida para vencer as eleições presidenciais, não há como o novo presidente sobreviver no interior das instituições políticas sem recalcular a rota, isto é, buscando “desradicalizar” o discurso com uma inflexão ao centro, acenando para o Fundo Monetário Internacional (FMI), ao passo que leve á frente um novo sistema macroeconômico, mas considerando que a ajuda que o governo implementa tem como pano de fundo a pobreza no país. Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas e Censo (Indec), a pobreza no país ultrapassou os 40% da população no primeiro semestre de 2023.
O que sabemos é que a agenda de Milei enfrentará uma governabilidade adversa. Apesar da derrota do peronismo, o presidente eleito não vai conseguir governar facilmente sem incorporar a força do “Juntos pela Mudança”, coalizão partidária formada pelos apoiadores de Patrícia Bullrich e o ex-presidente Maurício Macri, que alcançou 93 cadeiras na Câmara. Já o partido de Milei, o “Liberdade Avança” conseguiu 37 cadeiras. A coalizão partidária de Massa, a “União pela Pátria” lidera o número de cadeiras na Câmara com 108 deputados. (ver gráfico abaixo elaborado pela Folha de São Paulo).
Ou seja, Milei necessita montar um governo de coalizão com os liberais, o que não garante por si força parlamentar para mudanças constitucionais, que dependem de uma aprovação qualificada de no mínimo dois terços dos deputados.
Qual o cenário imediato? Javier Milei precisará formar a curto prazo um capital político relevante para lidar com esses desafios, mas não sobreviverá caso faça o que o ex-presidente Jair Bolsonaro construiu erroneamente no Brasil: engendrar um confronto político aberto e de viés autoritário com as instituições políticas. Um caminho deste tipo colapsará a relação entre Estado e sociedade, assim como o desenho institucional vigente no país vizinho, o que pode provocar um caos político sem precedente.
O anúncio parcial da equipe ministerial, passando de 19 para oito ministérios tem efeito retórico, mas nada assegura a melhoria na gestão e implementação das políticas públicas, o que gera mais expectativa em torno de quem assumirá o Ministério da Economia e a centralidade desta agenda nas primeiras decisões a serem formuladas no curto período de transição.
No mundo real da governabilidade, o novo presidente precisará dividir poder nos moldes do nosso presidencialismo de coalizão e ser pragmático na negociação de uma agenda mais ampla com a sociedade civil, o que requer, por exemplo, abandonar a retórica da campanha com um pedido de desculpas ao presidente Lula (PT) pelos ataques realizados e firmar categoricamente boas relações diplomáticas com a China. O novo presidente saberá recuar? Abandonará em parte o roteiro de poder exercido pela extrema-direita no mundo?