Luciana Santana, Elaine Gontijo e Marcia Rangel Candido

O tema da redação do Enem deste ano sobre a invisibilidade do trabalho de cuidado feito por mulheres trouxe ao debate público disparidades sociais que permanecem na sociedade brasileira, afetando a participação política e econômica das mulheres, perpetuando a desigualdade de gênero em todos os espaços. No âmbito acadêmico não é diferente, a divisão desigual de responsabilidades impacta as condições de acesso, a formação, a produção de conhecimento, mas especialmente a permanência de mulheres nas universidades. Uma situação complexa que demanda elaboração de políticas públicas que atinjam toda a comunidade. E isso só é possível se houver disposição do poder público em enfrentar o problema.

Dados produzidos pelo GEMAA, do Iesp-Uerj, com apoio do Instituto Serrapilheira, indicam que somente 34% dos programas de pós-graduação possuem paridade de gênero ou maioria de mulheres. Esta proporção é reflexo da queda progressiva de mulheres em posições no ensino superior na medida em que a carreira progride, fenômeno conhecido pelo termo “efeito tesoura”. Isto significa que, mesmo com as mulheres chegando a ser maioria de formadas em diversos cursos de graduação e pós-graduação, quando se observa o ingresso delas nos quadros permanentes das universidades, a queda de sua presença é significativa. As seleções de tais quadros profissionais não vêm sendo justas. Para se ter um exemplo, se tomamos como parâmetro os concursos públicos no Brasil, que garantem o acesso à docência nas universidades públicas, lugares onde mais se produz pesquisa científica no país, quase todas as etapas de exame são suscetíveis a discriminações ou parâmetros que produzem desigualdades. Estudos científicos já mostraram que as mulheres costumam receber piores notas que os homens em avaliações docentes, assim como registram produtividade menor que a dos colegas. Ambos os critérios são centrais nos concursos, que favorecem os homens (brancos).

Se formos além dos dados de gênero, que possuem certas características particulares, podemos pontuar que as universidades são ainda menos justas para as pessoas negras e há um acúmulo de desvantagens para as mulheres negras. Novos indicadores também produzidos pelo GEMAA fazem uma estimativa da proporção destes grupos entre docentes de STEM e o cenário é mais dramático. Pretos, pardos e indígenas somam só 7,4% dos docentes, sendo que, dentre eles, só 2,5% é do gênero feminino.

Como podemos notar, qualquer discussão sobre esse tema deve passar necessariamente pela atenção à interseccionalidade de gênero, classe e raça. Ademais, o combate às desigualdades regionais; a sensibilidade intergeracional; e a valorização da participação social precisam ser ponderadas como quesitos relevantes na construção das políticas públicas.

Sendo assim, como o Legislativo pode contribuir com a formulação de políticas que garantam a permanência de mulheres na academia?

Os fatores que resultam em tamanha dificuldade para as mulheres são, como se vê, complexos e, portanto, exigem uma ação ampla e integrada para sua solução. Recentemente, algumas matérias legislativas avançaram, tanto na Câmara quanto no Senado, com o foco na solução de problemas relevantes, mas pontuais. No Senado foi aprovado o PL 2260/2022, de autoria do senador Alessandro Vieira (MDB/SE), em junho do corrente ano, que “dispõe sobre prorrogação de prazos em cursos de graduação e pós-graduação nos casos de maternidade, paternidade e de adoção”. Já o PL 1741/2022, de autoria da deputada Talíria Petrone (PSOL/RJ) e com o mesmo objetivo, foi aprovado pela Câmara em novembro desse ano. No relatório, a relatora Laura Carneiro (PSD/RJ) afirma que o projeto “ajudará também a ampliação do número de mulheres que dispõem do título de mestrado ou doutorado, porta de entrada para a carreira universitária. Trata-se de ampliar o número de mulheres que exercem o trabalho de cientistas em nosso país.”

Embora meritórias, ambas as propostas tratam de apenas um dos fatores que impactam na permanência de mulheres no âmbito acadêmico – a inacreditável inexistência de legislação que obrigue as instituições de ensino superior a conceder extensão de prazo para as mulheres que decidam ter filhos no decorrer de suas graduações/pós-graduações. No entanto, outras necessidades, relacionadas ou não à maternidade, precisam ser atendidas para que as carreiras acadêmicas das mulheres não venham a ser interrompidas pela metade.

Como ampliar, então, o alcance das ações do poder público para a oferta de soluções eficazes para o problema que se coloca? Essa é uma pergunta a ser respondida pelo poder público.

Audiência pública realizada no âmbito da Comissão de Educação do Senado Federal no último mês de outubro, da qual participaram entidades representativas da sociedade civil e órgãos do Poder Executivo, buscou respondê-la. Posteriormente, o Ministério da Educação publicou a Portaria número 2.005, de 14 de novembro de 2023, com a criação de um Grupo de Trabalho no âmbito do Executivo “com a finalidade de promover estudos técnicos relacionados à elaboração da Política Nacional de Permanência Materna nas Instituições de Ensino Superior Brasileiras”. Ainda que, como frisamos anteriormente, a questão da maternidade não seja a única a impactar na permanência das mulheres no meio acadêmico, certamente esse GT é um importante pontapé inicial para a discussão do tema – e uma sinalização positiva da parte do governo atual.

Contudo, tanto as discussões quanto às soluções da parte do poder público são ainda incipientes e limitadas. O papel do Legislativo é extremamente importante para essas discussões, para fortalecer o debate junto à sociedade civil e contribuir com as possíveis soluções para problemas estruturais tão permanentes. Universidades sem diversidade perdem potencial de inovação e debate plural de perspectivas sociais, além de permanecerem como espaços privilegiados e que mantêm uma lógica de funcionamento patriarcal e pouco sensível às demandas de mulheres.