Não deixe para Lira o que você pode fazer hoje
Vítor Oliveira
Há várias maneiras de contar a história da relação entre Executivo e Legislativo no ano de 2023, mas nenhuma delas deixará de apontar que houve grandes vitórias do Governo Lula, em paralelo a flagrantes derrotas. Cabe entender, contudo, qual foi o legado dessa interação mambembe.
Desde o início da atual temporada do seriado Política Brasileira, os analistas e cronistas se alternaram semanalmente para dizer que a coordenação do Governo era boa ou ruim, no melhor estilo engenheiro de obra pronta.
Poderiam tranquilamente comentar futebol, dado o quão refém as narrativas estiveram do resultado de momento. E até mesmo às vésperas do Natal, ainda temos dificuldade de entrar em consenso sobre se a articulação do Governo foi boa ou ruim.
Convenhamos, se voltássemos no tempo e disséssemos a qualquer um que a reforma tributária foi aprovada em 2023, o ouvinte incauto do passado não teria dúvidas em dizer que se tratava de um Governo forte, com bastante capacidade de coordenação política.
Mas apenas na última semana possível do ano, o Congresso Nacional aprovou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) – que deveria ter sido votada no 1º semestre. E pior, com uma restrição importante à discricionariedade do Executivo em relação ao Orçamento de 2024: datas limite para o pagamento das emendas impositivas.
Até hoje, mesmo quando se tratava das emendas que o Executivo era obrigado a pagar, havia um jogo de “libera/não-libera”, que garantia um maior poder de barganha ao Governo, de modo a aumentar sua influência sobre votações-chave.
O tema do uso de emendas para coordenação da Coalizão de Governo é um dos que mais suscitaram discussões entre cientistas políticos desde o início da década de 1990. Não obstante as divergências, é inegável que se trata de uma limitação no kit de ferramentas à disposição do Chefe de Governo para dar direção e sentido à Coalizão.
Algo que afetará mais ainda a relação entre os Poderes. E esta erosão do Poder Executivo foi alimentada pelo que talvez tenha sido o maior erro da coordenação governista em 2023: demorar a definir votações difíceis, levando a um acúmulo de pautas para as últimas semanas do ano.
No início do ano, havia o verbo lulista e duas agendas prioritárias: ambiental e econômica. Dessas, apenas a econômica sobreviveu como prioridade, enquanto a agenda ambiental foi restrita a pautas que não lidam com o uso da terra e florestas, principais vetores da agenda climática e socioambiental no Brasil.
O processo é sintomático da condição difícil do Planalto em relação à força do agronegócio – que não é antipetista e nem contrária à agenda de Fernando Haddad, mas certamente é muito anti-ambientalista.
Não é possível, portanto, deixar de reconhecer que a posição do Planalto no Legislativo é precária, muito em função do resultado das urnas. Sabendo que não haverá novas eleições, esse é o cenário até o final de 2026.
Neste cenário, era de se esperar que um Governo com apetite por promover políticas públicas seria derrotado. Mas o grande erro da coordenação política em 2023 foi certamente demorar a liquidar faturas, realizar prejuízos rapidamente, evitando ficar na mão do eterno crediário de Lira e Pacheco, cujos juros certamente serão cobrados quando o tempo for escasso.