Djiovanni Jonas França Marioto

Consultor político e parlamentar, membro do Legis-Ativo, fundador da Black Tech and Politics e doutorando em Ciência Política (UFPR).

 

Os políticos e as casas legislativas acompanham o crescimento e a adoção das tecnologias pela sociedade, incluindo cada evolução na comunicação e a presença nas redes sociais. Embora em menor escala e com uma velocidade reduzida, eles se apropriam dessas ferramentas e as incorporam na política, tanto em campanhas quanto nos procedimentos legislativos. As redes sociais, que são amplamente utilizadas desde 2008, começando com Twitter e Facebook, viram nas últimas eleições parlamentares os políticos sendo carinhosamente apelidados de “bancada da selfie”, ao fazerem lives e se comunicarem diretamente com seus eleitores pelas redes sociais em momentos de votações e sessões legislativas.

Hoje, é possível encontrar não apenas perfis de políticos, mas também de assembleias legislativas no TikTok. Esses perfis detalham o trabalho, o funcionamento e outros aspectos das casas legislativas, utilizando uma linguagem direcionada à população mais jovem do Brasil, mostrando mais a fundo o trabalho das casas, funcionamento e outros detalhes com uma linguagem que foca atingir a população mais jovem do Brasil.

Recentemente, a partir de 2022, surgiram rumores sobre uma nova revolução tecnológica: o uso em larga escala da Inteligência Artificial (IA) generativa. Além dos modelos de machine learning e algoritmos preditivos, a IA generativa poderia se tornar acessível ao grande público. Nesse sentido, a partir de 2023, vemos vários modelos de grandes empresas disponibilizando modelos como ChatGPT, Gemini, entre outros, sendo amplamente utilizados por estudantes universitários, entusiastas pela tecnologia ou até mesmo sendo aplicada para a melhoria de processos e fluxos em empresas.

Importante destacar que, na maioria dos modelos de IA disponibilizados ao público, à medida que são utilizados e recebem interações, são treinados e aprimorados. Milhões de pessoas contribuem com informações, refinando os modelos para torná-los cada vez mais precisos. No entanto, esse processo não está isento de desafios. A imputação de informações privadas pode levantar questões significativas sobre privacidade e segurança de dados, exigindo uma gestão cuidadosa para proteger a confidencialidade dos usuários. Além disso, o viés de treinamento, frequentemente influenciado por padrões do norte-global, pode perpetuar preconceitos e desigualdades, refletindo uma visão limitada e não universal da realidade.

A Inteligência Artificial (IA) está transformando o cenário legislativo brasileiro, prometendo revolucionar a forma como as leis são criadas e gerenciadas. Recentemente, Porto Alegre testemunhou um marco histórico com a sanção da primeira lei redigida por IA no país. A Lei Complementar Municipal 993/2023, que isenta cidadãos do pagamento de um novo hidrômetro em caso de furto, foi elaborada com a ajuda do ChatGPT, uma ferramenta de IA que produz textos. A iniciativa do vereador Ramiro Rosário (PSDB) foi recebida com unanimidade, sinalizando uma nova era de inovação e eficiência no processo legislativo.

O Projeto de Lei 2338/2023 surge como um esforço para alinhar o Brasil às tendências internacionais, propondo uma regulação de IA baseada em risco e direitos, com classificação dinâmica dos riscos e obrigações regulatórias correspondentes. Este projeto é um passo afirmativo e protetivo, baseando-se em princípios internacionalmente aceitos e outros pertinentes à realidade brasileira, como a proteção dos vulneráveis e a promoção da equidade.

A Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (EBIA), por outro lado, é criticada por sua abordagem genérica e falta de especificação de atores responsáveis pela governança. O documento da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa destaca a importância da supervisão democrática e do controle social, sugerindo aprimoramentos no PL para incluir uma governança multissetorial e participação pública mais ativa.

Os desafios do uso de IA no setor público incluem a necessidade de uma regulação que concilie a gestão de riscos com a proteção de direitos, e a importância de evitar a reprodução de padrões do norte-global sem considerar as particularidades do Brasil. A regulação de IAs generativas e a governança de sistemas de IA de propósito geral são áreas que requerem atenção especial, com recomendações para Avaliações de Impacto Algorítmico (AIA) públicas e inclusivas, e uma base de dados pública sobre sistemas de IA de alto risco.

É fundamental destacar a análise de “Inteligência artificial e desigualdades reais”[1] feita por Hannah Maruci do Legis-Ativo, que aborda como a IA pode agravar desigualdades sociais sem uma regulamentação adequada. Este artigo ressalta a importância de uma implementação ética e inclusiva da IA, assegurando que seus benefícios alcancem todos os setores da sociedade brasileira, promovendo um desenvolvimento tecnológico justo.

É necessária uma abordagem regulatória que promova uma inovação responsável e evite um novo tipo de colonialismo associado à extração de dados e recursos naturais. Recomenda-se a publicação das conclusões das avaliações de impacto em uma base de dados pública para promover transparência e controle público, e a inclusão de critérios de avaliação de sistemas de IA que considerem o potencial de reforço às disparidades interseccionais.

O Brasil está no limiar de uma transformação digital no legislativo, impulsionada pela IA. Enquanto celebramos os avanços, devemos também nos preparar para os desafios inerentes à implementação dessa tecnologia de maneira crítica e em diálogo constante com a sociedade e academia. Com políticas claras, investimentos em capacitação e infraestrutura, e um compromisso com a ética e a transparência, a IA pode ser uma poderosa aliada na construção de um legislativo mais eficiente e alinhado com as necessidades da sociedade brasileira.

[1] disponível em: https://congressoemfoco.uol.com.br/area/pais/inteligencia-artificial-desigualdades-reais/