Mateus de Albuquerque, pesquisador de pós-doutorado no INCT/ReDem.

O planeta está esquentando. Os efeitos desse processo passam a serem sentidos, cotidianamente, pela população. A crise no Rio Grande do Sul não é a primeira e dificilmente será a última. Essa crise converge também com uma robusta crise das instituições de representação democráticas. A literatura se divide quanto ao papel de líderes autoritários da extrema-direita, protagonistas dessa crise democrática, na crise ambiental. Se figuras como o estadunidense Donald Trump empreenderam em seus mandatos políticas abertamente anti-clima (Deutsch, 2021), também é verdade que existe um “patriotismo verde” em determinadas localidades, adaptando o discurso de preservação ambiental a um discurso ufanista e xenófobo (Pereira et al, 2024).

No caso brasileiro, há consenso quanto à caracterização do bolsonarismo enquanto um fenômeno político abertamente anti-natureza. As políticas de desmantelamento orçamentário dos órgãos reguladores, mais precisamente o IBAMA e o ICMBio, de mudanças de controle ambiental do Ministério do Meio Ambiente para as pastas da Agricultura e da Justiça, bem como um sistemático desmonte dos órgãos de gestão social (Gugliano, Seifert Jr., Luz; 2024).

Lima e Costa (2022) produzem um interessante esforço analítico de caracterização dessa excepcionalidade. Segundo os mesmos, enquanto governos que praticam misgovernance cometem ações inapropriadas que violam elementos chave de determinada política, os que praticam malgovernance, como Bolsonaro na pauta ambiental, intencionalmente violam esses elementos com o objetivo de estabelecer uma agenda específica.

Parte da literatura aponta que a lógica legislativa não se adequou em sua completude à malgovernance vinda do Executivo. Menezes e Barbosa Jr. (2021) demonstram que um longo processo de constitucionalização da legislação ambiental produziu entraves aos desmontes bolsonaristas, que tiveram de operar mais na chave de destruição das condições de se cumprirem as normativas do que na alteração das normativas em si. Araújo (2020) também destaca a força da bancada ambientalista, que foi eficiente em criar mecanismos de coordenação para oferecer freios, entraves, aos ataques das bancadas mais alinhadas com a agenda antiambiental.

Para investigar se de fato o bolsonarismo não operou com força no legislativo na pauta ambiental, é válido perguntar, qual a origem da malgovernance bolsonarista? Uma hipótese é de que a principal condição causal é a relação de Bolsonaro com setores econômicos, estabelecida de duas maneiras. A primeira, top-down¸ visualizamos em Deustch (2021), que destaca que a forma como Bolsonaro articula sua retórica anti-ambiental é essencialmente econômica, da defesa de setores econômicos que seriam prejudicados pelos supostos excessos do ambientalismo. A segunda, bottom-up, pode ser observada no comportamento dos eleitores de líderes de extrema direita que, como afirmam Pereira et al (2024), querem que seus representantes sejam “campeões do povo”, defendendo a economia nacional contra interesses globalizados. Vale lembrar, como mostram Graciano et al (2023), que o setor agropecuário, no Congresso, tem alta capacidade de coordenação de agenda, produzindo o elo necessário para que as relações econômicas anti-ambientais de Bolsonaro se traduzam na esfera legislativa. Logo, os grupos econômicos podem ser um conectivo para compreender como o bolsonarismo atuou no parlamento quanto ao meio ambiente.

Se é certo que existem fortes componentes econômicos no anti-ambientalismo bolsonarista, é incerto como isso transpareceu no Congresso. O parlamento não é, afinal, o locus dos diferentes interesses em disputa? Então como podemos afirmar, tão categoricamente, que o bolsonarismo não encontrou lá um lugar fértil para estabelecer a sua articulação com esses setores e, efetivamente, promover políticas excepcionalmente anti-ambientais também no Poder Legislativo? Essa é uma pergunta que nós, no INCT/ReDem, estamos interessados em responder.