Vítor Oliveira

Desde que a Emenda Constitucional 132 foi promulgada, consolidando a Reforma Tributária, criou-se a expectativa pelo passo seguinte – a regulamentação por meio de projetos de lei complementar, que viria a trabalhar os detalhes e dar corpo às mudanças tributárias. A expectativa, contudo, rapidamente transformou-se em frustração para quem atua sem fins lucrativos.

A Emenda 132 avançou muito ao isentar as doações com finalidade filantrópica do pagamento de impostos, assunto que ficou bastante evidente para toda a sociedade durante a crise enfrentada pelo Rio Grande do Sul neste ano, quando uma onda de solidariedade se deparou com um intenso debate sobre dificuldades para que as doações chegassem a quem precisa.

Nada inesperado, até aqui. Mas a efetividade dessa disposição depende de detalhes – esses mesmos que fazem parte do Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024, responsável por regulamentar e dar concretude à ambiciosa Reforma Tributária.

O diabo, como sempre, mora nos detalhes. Visando eliminar pequenos desvios e combater a sonegação, o projeto encaminhado pelo Poder Executivo em abril trouxe uma série de riscos, custos e sanções às mais de 800 mil organizações da sociedade civil no Brasil.

O PLP 68/2024 propõe que os novos impostos – IBS e CBS – incidam sobre doações onerosas e sobre doações, ainda que não onerosas, entre partes relacionadas, em seus artigos 4º e 5º.

Seria como se, hoje em dia, fosse cobrado ICMS sobre a doação feita a uma organização de assistência, com a condição que esta fornecesse alimentos ou bolsas de estudo com aquele recurso. Outra complicação prevista diz respeito à cobrança de impostos em empréstimos sem fins lucrativos, algo que pode dificultar exposições de arte, por exemplo.

Como a própria Reforma Tributária aprovada em 2023 afirmou, doação não é hipótese de incidência de IBS e CBS, mas sim do ITCMD; e se a finalidade é filantrópica, deve, portanto, ser isenta.

Em audiência pública realizada no dia 19 de junho, representantes de associações, fundações e organizações filantrópicas de todo o Brasil deixaram claro a oposição às mudanças sugeridas pelo artigo 460 do PLP 68/2023, que por sua vez altera o Código Tributário Nacional (CTN), em especial do artigo 14 deste.

De acordo com o advogado Eduardo Szazi, houve apenas 12 atos de suspensão de imunidades nos últimos 5 anos, em um universo de mais de 250 mil organizações que apresentam suas declarações anualmente. Entre os mais de 6500 grandes devedores à União (acima de R$ 100 milhões), apenas 79 são organizações sem fins lucrativos.

A lei tributária, portanto, não tem sido violada pelas organizações da sociedade civil em número significativo, o que deixa evidente o exagero do PLP 68/2024 com relação a maiores obrigações de prestação de contas, contratação de auditores, restrição a gastos e movimentações financeiras – obrigações às quais empresas que recebem vultosos incentivos fiscais não estão sujeitas, por exemplo.

Como apontou o deputado Luiz Carlos Hauly (Podemos/PR), presente à audiência, “é muito fácil para a Receita Federal controlar (…), tem 17 mil auditores para isso. É um problema de fiscalização, não de legislação”.

As obrigações e sanções impostas à sociedade civil no PLP 68/2024 sugerem que valores como solidariedade e liberdade não são vistos como algo a ser incentivado pelo Estado. Contudo, os parlamentares têm agora a chance de evitar que os exageros do texto sejam mantidos.