Como as cotas de financiamento foram positivas para as mulheres (e como o Congresso deseja reverter isso)
Bruno Fernando da Silva*
Maria Cecília Eduardo**
Após duas décadas de eleições financiadas pelas empresas, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu-as de doar para a política. O pleito de 2018 marcou então uma mudança brusca de rota: o Fundo Especial de Financiamento Público (FEFC) entrou em vigor, tornando os subsídios estatais a principal fonte de recursos das eleições brasileiras. Na esteira da implementação do FEFC, o STF, provocado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), decidiu que os partidos estão obrigados a destinar ao menos 30% dos recursos do Fundo Partidário e FEFC às mulheres – assim como já ocorre em relação às cotas de candidaturas.
Historicamente, as mulheres atraem menos recursos eleitorais que os homens. Essa não é uma especificidade do Brasil: pelo mundo, o subfinanciamento de candidaturas femininas é apontado como uma das principais barreiras para a entrada delas na política. Especialistas no tema das campanhas comumente citam o uso de recursos públicos como forma de mitigar essa desigualdade de acesso ao dinheiro.
A experiência com as cotas de candidaturas mostra, no entanto, que a norma nem sempre consegue atingir seu objetivo. No Brasil, muitas vezes os partidos buscam cumprir com a legislação somente de maneira formal, esvaziando os efeitos substantivos que ela poderia ter. Exemplificam essa situação o uso de candidaturas femininas laranjas ou mesmo a falta de incentivo logístico e/ou financeiro para que as mulheres façam suas campanhas.
No caso do financiamento público, os impactos decorrentes de sua adoção são igualmente incertos, uma vez que a medida concentra ainda mais poderes nas mãos dos líderes partidários, responsáveis pela destinação dos recursos.
Diante desse cenário, procuramos descobrir os impactos do FEFC e das cotas de recursos para as candidaturas femininas lançadas à Câmara dos Deputados nas últimas quatro eleições. Especificamente, interessava-nos saber se tais medidas haviam beneficiado as mulheres, ampliando o acesso delas ao dinheiro para campanha em comparação ao período pré-financiamento público.
Os resultados mostraram uma melhora no acesso a recursos financeiros por parte das mulheres a partir de 2018 (ano em que o fundo eleitoral foi colocado em prática pela primeira vez) – fato esse que fica ainda mais claro em 2022.
Embora o avanço tenha sido insuficiente para proporcionar condições menos desiguais de disputa entre homens e mulheres, houve um evidente progresso, que impactou positivamente a quantidade de candidatas financiadas e o valor médio destinado a elas. Para se ter uma ideia da mudança, nas eleições de 2010 e 2014 as mulheres receberam menos de 10% do total declarado pelo conjunto de candidaturas à Câmara dos Deputados. Em 2018 e 2022, esse montante passou para 22% e 30%, respectivamente. Além disso, nessas duas disputas, mais de 90% das mulheres candidatas à deputada federal receberam algum recurso para suas campanhas – até 2014, menos de 80% delas eram financiadas.
Certamente a melhora no acesso ao dinheiro para campanhas femininas não seria possível sem as cotas aprovadas pelo Supremo em 2018. Por esse motivo que a sociedade deve se manter atenta a tentativas de retrocesso em trâmite no Congresso Nacional, como a Proposta de Emenda à Constituição da Anistia. Ao propor que partidos que descumpriram a norma saiam ilesos de punições, o parlamento enfraquece uma medida que trouxe benefícios às mulheres, incentivando a negligência em relação às políticas de inclusão. Se aprovada, a PEC representará um retrocesso significativo nos esforços para promover a igualdade de gênero na esfera política brasileira.
*Bruno Fernando da Silva é doutor em Ciência Política pela UFMG e pesquisador de pós-doutorado do INCT ReDem.
**Maria Cecília Eduardo é doutora em Ciência Política pela UFPR e pesquisadora de pós-doutorado do INCT ReDem.