É possível governar o Brasil?
GRAZIELLA TESTA
Nunca se falou tanto em equipe de transição. Parte dessa grande visibilidade pode ser consequência do desaparecimento do presidente em exercício e de seus ministros, mas o principal causador é a dúvida sobre se (e como) o presidente eleito conseguirá alocar tantos diferentes atores na construção do governo. Como não é novidade na política, muitos antigos rivais apoiaram a candidatura de Lula. Alguns já no primeiro momento, outros no segundo turno. Para além dos apoiadores eleitorais, que não são numericamente suficientes, será preciso compartilhar governo e recursos com os partidos que não apoiaram Lula na campanha, mas que gozam de bases relevantes no Congresso.
Até aqui, nenhuma novidade. Num presidencialismo multipartidário não é surpresa que a coligação eleitoral não seja suficiente para fechar o mínimo da coalizão de governo. Esse retrato de longe pode descrever todo o período iniciado pela constituição de 1988, quiçá também o de 1946 a 1964. Mas alguns elementos micro institucionais e informais impactaram substancialmente os recursos disponíveis para o Executivo construir governabilidade junto ao Legislativo. Lula pode aproveitar da sua experiência e habilidade para formar a coalizão, mas irá encontrar um sistema político que funciona diferente do que ele deixou em 2011.
Em primeiro lugar, é preciso entender os partidos são unidades fundamentais para agrupar as ideias semelhantes e gerar alguma previsibilidade para o chefe do Executivo. A utopia dos parlamentares livres e comprometidos que votam com sua consciência em oposição aos atores clientelistas que obedecem ao partido para terem ganhos de troca precisa desaparecer do imaginário brasileiro. Nenhuma democracia representativa pode funcionar sem a instituição do parlamento e as demandas parlamentares precisam ser organizadas de alguma forma. Se elas não forem organizadas em torno dos partidos, serão em outros tipos de organizações. Em alguns parlamentos, as comissões são mais relevantes que os partidos para resolver os dilemas de ação coletiva do corpo parlamentar.
Se não houver instituições relevantes que organizam as demandas diversas, a consequência será a maior centralização do processo decisório nas mãos do presidente da Mesa, que se verá livre de instituições relevantes para contrabalancear sua autoridade. Foi exatamente esse processo que assistimos ocorrer nos últimos trinta anos em nosso sistema político. Por um lado, reduziram os recursos disponíveis para o Presidente da República construir sua base parlamentar, por outro, a arena das comissões permanentes foi esvaziada e a alta fragmentação partidária diminuiu o número de atores capazes de fazer frente (contrabalancear) o poder do presidente da Mesa.
Quando Lula foi presidente, gozava da prerrogativa de executar o orçamento e de compartilhar as pastas ministeriais com membros da coalizão. Agora, os recursos discricionários à disposição dos formuladores de políticas no Ministérios estão escassos, isto é, boa parte dos altos orçamentos ministeriais está comprometida com despesas obrigatórias. Os cargos se tornam, portanto, menos atrativos. Por outro lado, o orçamento impositivo tornou o Legislativo menos dependente do Executivo e as emendas do relator transferiram essa prerrogativa que antes era do presidente da república não para o Congresso, mas para o presidente da Mesa da Câmara.
O processo de fortalecimento do Legislativo ante o Executivo ocorreu ao mesmo tempo em que os trabalhos foram consideravelmente centralizados na Câmara. A redução do número de partidos traz boas perspectivas para o fortalecimento dos contrapesos no Congresso, porém é preciso também restituir a importância das comissões permanentes temáticas frente às temporárias, especiais e grupos de trabalho.
As regras do jogo mudaram e os novos jogadores trouxeram novas estratégias que vão exigir respostas diferentes das que foram dadas nos dois mandatos que Lula exerceu. O que não muda é o papel relevante do Congresso para o avanço da agenda do Executivo e a dificuldade de responder à sociedade pelas alianças de governo. A democracia é uma árvore que pode ser muito frutífera mas que pode ser feia e distante do discurso idílico que a acompanha.