Carolina Corrêa e Paulo Peres

Como sabemos, o desmonte das políticas e órgãos ambientais levado a cabo nos últimos anos causou a indignação de ativistas e demais cidadãos mundo afora. Mas, pelo menos para os ambientalistas brasileiros, 2023 começa com um suspiro de alívio. Se a eleição de Lula já levou à expectativa de recomeço e reconstrução da agenda ambiental no país, a indicação de Marina Silva para o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas e de Sônia Guajajara para o Ministério dos Povos Indígenas fez renascer a esperança naqueles que acreditam na construção do desenvolvimento sustentável.

Já no próprio dia da posse, Lula assinou decretos e medidas importantes para a retomada de ações ambientais no país. Dentre os seus primeiros atos, destacam-se (a) o retorno do combate ao desmatamento na Amazônia e outros biomas, (b) a concessão de mais autonomia ao IBAMA, (c) a retomada do Fundo Amazônia, (d) o fortalecimento do Conama e (e) a revogação da medida do governo anterior que incentivava o garimpo ilegal na Amazônia, em terras indígenas e em outras Áreas de Proteção Ambiental.

Disposta a “resgatar a agenda socioambiental brasileira perdida”, Marina anunciou, em sua posse, que um dos objetivos centrais do Ministério será controlar o desmatamento e, concomitantemente, fortalecer os diferentes órgãos ambientais, como o ICMBio e o IBAMA[1], fragilizados e esvaziados nos últimos anos. Já está de volta, por exemplo, o PPCDAm[2], um programa que, na década passada, reduziu o desmatamento da Amazônia em 80%, mas que havia sido descontinuado pela gestão anterior. Agora, além de ser reativado, o programa será ampliado a fim de que sejam empreendidas ações específicas nos demais biomas brasileiros.

De fato, Marina aposta na abordagem que defende há anos: a transversalidade. Entenda-se por isto a concepção de que a sustentabilidade socioambiental precisa de ser trabalhada de modo transversal com o tema da mudança climática em todas as áreas do governo. Consequentemente, as estruturas e competências das diferentes pastas ministeriais devem ter como eixo as questões ambientais, além de contemplar “a participação de todas as instâncias de governo, na esfera federal, estadual e municipal, bem como de representantes de toda a sociedade brasileira, do setor produtivo, acadêmico, científico e da sociedade civil” (Marina Silva, cerimônia de transmissão de cargo).

O otimismo que a sua nomeação para o cargo desencadeou, no entanto, tem de ser temperado com certa dose de realismo. Para por em pé a transversalidade, a ministra terá de articular interesses muito diversos e, por vezes, antagônicos; o próprio plano de fortalecimento das políticas ambientais não será um desafio menor a ser enfrentado dentro e fora do governo. Dialogar e negociar, tanto com os colegas que chefiam outras pastas ministeriais como com o Congresso Nacional serão atitudes indispensáveis para o equilíbrio entre a governabilidade – crucial para a Presidência da República – e as pautas ambientais voltadas ao “controle da boiada” e à promoção do desenvolvimento sustentável. Some-se a isto o baixo orçamento deste ano destinado à pasta, uma herança execrável do (des) governo anterior.

Em contrapartida, o Executivo poderá implementar medidas que independem da aprovação de leis pelo Congresso. Diversas leis simplesmente foram “engavetadas” e estão apenas à espera de um processo adequado de implementação (já falamos sobre isto aqui, e Marina Silva também explorou tal ponto nesta entrevista). Ainda assim, mesmo que o Executivo consiga avançar na revitalização e formulação de planos e programas ambientais baseados em leis que já existem, há que se ter em conta que ainda tramita no Legislativo grande parte do chamado “combo da morte”, formado por diferentes Projetos de Lei antiambientais envolvendo a liberação de agrotóxicos, a flexibilização do licenciamento ambiental, a demarcação de terras indígenas, entre outros. Não podemos perder de vista, ainda, que, na nova configuração do parlamento brasileiro, a bancada ruralista mantém-se forte e terá óbvios incentivos para aprovar tais projetos, em especial, no Senado Federal.

A construção de uma coalizão majoritária no Legislativo e o diálogo permanente com a oposição, mais do que nunca, é algo incontornável, e não somente para a realização da agenda ambiental. Para uma governança em prol de políticas ambientais, Marina e, principalmente, Lula terão de fazer concessões para que não se tornem reféns do veto legislativo. Todavia, terão de saber até onde conceder para que as políticas não sejam inócuas a ponto de perder o apoio popular e dos ativistas.

Enfim, não podemos negar que estamos diante de uma guinada histórica da agenda ambiental no Brasil, propiciada pelos retornos de Lula e Marina. Ao mesmo tempo, não podemos fechar os olhos para os muitos obstáculos postados à frente do governo. Esse cauteloso realismo é compartilhado pela própria Ministra Marina Silva, que, recentemente, ressaltou que “haverá tensões e contradições. A transversalidade ainda é incipiente. As visões setoriais precisam evoluir para uma perspectiva mais integradora, trazida por novos paradigmas em curso no mundo inteiro”.

Se a volta de Lula também permitir o retorno das metáforas futebolísticas, podemos dizer que sim, temos um belo time, com jogadores experientes, motivados e bem treinados, porém, o jogo ainda tem que ser jogado, e os nossos adversários têm poderosos patrocinadores, são retranqueiros, fazem catimba, dão carrinho por trás, fazem gol de mão e, vez ou outra, contam com a complacência do juiz.

[1] Recentemente, Marina indicou para o cargo de Presidente do IBAMA o Deputado Federal (PSB/SP) Coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista no Congresso, Rodrigo Agostinho, que é biólogo, advogado e ambientalista.

[2]Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal.