Vítor Oliveira

O governador de São Paulo é uma figura curiosa na política brasileira. Em meio a uma crise provocada pelas ações violentas da PM, Tarcísio de Freitas tem em mãos o desafio de ajustar sua relação com a historicamente dócil Assembleia Legislativa (ALESP) e costurar apoios para consolidar sua influência nas eleições municipais de 2024. E há espaço de sobra.

Ainda que seja militar, Tarcísio não ganhou notoriedade por participar da polêmica ação brasileira no Haiti, mas sim como um tecnocrata com o verniz de técnico. Passando por cargos nos governos Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), sempre em posições associadas à infraestrutura em órgãos dominados pelo assim chamado “centrão”.

Sob o reino de Jair Bolsonaro, alcançou a posição de ministro, sendo bem avaliado pelo mercado e pela mídia, uma exceção em meio a tantas críticas e crises. Relativamente discreto em um governo verborrágico, Tarcísio conquistou a indicação para concorrer ao Governo de São Paulo e triunfou sobre Fernando Haddad, costurando apoios importantes do establishment tucano, no estado em que o PSDB comandou por décadas seguidas.

Se a Fortuna lhe sorriu em 2022, a Virtù será necessária para consolidar a posição hegemônica no estado de São Paulo, segunda maior máquina da federação, ficando atrás apenas da União, e que por anos abrigou quadros oposicionistas no plano federal ou deu guarida a aliados, visando acordos locais e regionais.

Dos 27 cargos com status de secretaria, apenas 11 são ocupados por pessoas diretamente filiadas a partidos políticos, ou seja, o nível de partidarização do secretariado de Tarcísio de Freitas é igual a pouco mais de 40%.

Isso significa que, até o momento, o critério para ocupação de cargos no Poder Executivo Estadual é, majoritariamente, não partidário. Relações de confiança, representação de grupos de interesse e de grupos políticos externos à lógica estadual (militares, ex-ministros de Bolsonaro) são critérios alternativos a esse, além de indicações de não-filiados, mas que possuem relações com os partidos da base.

 

Desequilíbrio

Formalmente, os partidos que ocupam posições no secretariado possuem apenas 33 dos 94 deputados na ALESP (PSC, PSD, Republicanos, Avante e PL), ou seja, número insuficiente para atingir a maioria. Não obstante, operacionalmente, a base na dócil ALESP possui também partidos como MDB, União Brasil, Podemos e o próprio PSDB, que votaram junto com Tarcísio, devendo ampliar sua pressão para ocupação de cargos e influência em algum momento.

Neste primeiro semestre de 2023, não foi incomum a atuação da liderança do governo na Assembleia, em que pese o Executivo ter sido bem-sucedido nas suas iniciativas legislativas deste ano, corroborando o histórico de docilidade da ALESP com o Palácio dos Bandeirantes (que talvez volte a ser dos Campos Elísios sob Tarcísio, torçamos).

Há bolsões de iniciativas na Assembleia que podem ser problemáticos, especialmente em projetos de peso que podem tramitar daqui por diante, como uma possível reforma administrativa e mudanças na constituição estadual, como o desejo de Tarcísio em editar medidas provisórias – algo não permitido atualmente em São Paulo.

Momentos de mudança no comando do estado são oportunidades para grupos menores extraírem grandes benefícios políticos. Aqueles poucos votos que faltam para completar a maioria (absoluta ou qualificada) podem causar grandes repercussões em termos de compartilhamento do governo.

Com apenas 4 deputados, o PSD ocupa 5 secretarias. Já o PL, com 19 deputados, possui apenas uma secretaria. Uma medida utilizada para entender essa correspondência entre a relevância dos partidos no Legislativo e no Executivo é a Taxa de Coalescência, que atualmente é de 0,60 para a coalizão montada por Tarcísio.

Variando de 0 a 1, quanto mais alto o valor, mais correspondente é a relação da ocupação de espaço por partidos da base no Legislativo e no Executivo. No caso da coalizão de Tarcísio, o valor parece ser relativamente baixo e pouco sustentável no longo prazo.

Para efeitos de comparação, a Taxa de Coalescência da coalizão montada pelo presidente Lula em sua posse é de 0,78 e, em pouco mais de um semestre, a primeira reforma ministerial está a caminho.

Em São Paulo, governadores costumam ter menos problemas com o Legislativo do que os presidentes do Brasil têm com Congresso. Ainda assim, a composição do atual secretariado deverá sofrer ajustes importantes, visando acomodar forças políticas aliadas na Alesp e, com maior força a partir de 2024, composições partidárias que reflitam os acordos para as eleições municipais. Espaço para isso, existe.