JOÃO PAULO VIANA, PATRÍCIA MARA CABRAL DE VASCONCELLOS, MELISSA VOLPATO CURI E JAMILA MARTINI

 

No plano político, o próspero município de Vilhena, localizado no cone sul de Rondônia, vive uma crise que se recusa a ceder. De forma paradoxal à sua economia pujante, politicamente a cidade possui uma história bastante conturbada. Fundada no final dos anos 1970, sob colonização majoritariamente sulista e forte influência do regime militar, a região é estratégica para o agronegócio na Amazônia ocidental brasileira e dominada atualmente pela direita bolsonarista. Com quase 100 mil habitantes e cerca de 60 mil eleitores, Vilhena foi governada durante mais de uma década pela família Donadon, um dos mais poderosos “clãs” da política rondoniense durante os anos de 1990 e 2000.

De trajetória bastante controversa, os Donadon administraram o município em período de grande desenvolvimento. Mesmo após a condenação e o afastamento da vida pública, decretados pela Justiça, de seus principais caciques, Melki, Natan e Marco Antônio, e longe de se comparar aos anos dourados do domínio do clã na política estadual, a família detém ainda hoje grande prestígio político e eleitoral na região, agora, sob a liderança de quadros femininos, a ex-prefeita, Rosani Donadon (PSD), e a deputada estadual Rosângela Donadon (União).

Principalmente depois do fracasso da gestão do prefeito José Luiz Rover (PP), liderança que chegou ao poder em oposição aos Donadon, mas após oito anos viu sua administração acabar de forma melancólica, com a prisão de Rover e seu vice, Jacier Rosa Dias (PSC), em novembro de 2016, ainda no exercício do mandato. Com o afastamento de ambos, assumiu interinamente o cargo o presidente da câmara municipal, Célio Batista (PR). De lá pra cá, Vilhena tem se tornado um caso notório de instabilidade política crônica. Afastamentos, cassações, prisões e eleições suplementares tem sido uma marca da política vilhenense, com uma média de um prefeito a cada dois anos. Essa dinâmica, inclusive, tem mantido a família Donadon sempre como um ator relevante, devido, fundamentalmente, ao fracasso das gestões dos opositores que os sucederam.

Nesse contexto, a eleição municipal de 2016 foi marcada pelo retorno do clã Donadon ao poder na cidade, com a vitória nas urnas de Rosani Donadon, à época filiada ao MDB, esposa do ex-prefeito Melki Donadon. Apesar de empossada no cargo, o mandato de Rosani foi cassado em ação movida pelo Ministério Público Eleitoral, sob a alegação de abuso de poder político e econômico nas eleições de 2008, quando ela foi candidata a vice-prefeita, na chapa do esposo, Melki. Em 2018, com a cassação de Rosani pelo TSE, novamente um presidente da câmara municipal assumiu interinamente o cargo: Adilson de Oliveira (PSDB). Logo em seguida, ainda no ano de 2018, o empresário Eduardo “Japonês”, à época filiado ao PV, foi eleito em uma eleição suplementar. Importante ressaltar que o mesmo Japonês havia perdido a eleição para Rosani em 2016.

Reeleito no ano de 2020, ainda pelo PV, Eduardo Japonês, juntamente com sua vice, foi também cassado pela Justiça Eleitoral em 2022, já filiado ao PSC, abrindo caminho para a segunda eleição suplementar no município em quatro anos. No intervalo de aproximadamente seis meses, entre a cassação de Japonês e a realização do novo pleito eleitoral suplementar, marcado para a mesma data das eleições gerais do ano passado, o vereador Ronildo Macedo (PODE), então presidente da câmara, esteve à frente da prefeitura. Era o terceiro presidente da câmara a assumir interinamente o Executivo, num período de seis anos.

Atualmente, o município é governador pelo delegado de Polícia Federal, Flori Cordeiro de Miranda Júnior (PODE), eleito na disputa suplementar de 2022. Outsider na política, Flori chega ao poder suscitando as esperanças dos eleitores principalmente no que se refere ao combate à corrupção. Embora filiado ao Podemos, partido que conta com o maior número de representantes na câmara de vereadores, incluindo o presidente da casa, Samir Ali, o prefeito tem tido uma relação bastante difícil com o parlamento local.

No tocante à Câmara Municipal de Vilhena, as coisas também não têm sido diferentes. Como analisado pelo Legis-Ativo à época, entre outubro e novembro de 2016, sete vereadores, de um total de dez parlamentares, tiveram a prisão decretada pela Polícia Federal, sob a acusação de corrupção e lavagem de dinheiro. Conforme as investigações, os vereadores participavam de um esquema de corrupção para a aprovação de loteamentos no município. Na eleição de 2016, três deles, Carmozino Moreira (PSDC), Júnior Donadon (PSD) e Vanderlei Graebin (PSC), foram reeleitos para o cargo, sendo diplomados e, posteriormente, empossados.

A legislatura atual conta atualmente com nove partidos representados, num total de 13 cadeiras: PODE (3); AVANTE (2) ; PSD (2); e PSB (1); PSC (1); PROS (1); PP (1); PV (1); União (1). Como exposto anteriormente, ainda que o Podemos constitua a maior bancada do legislativo municipal, há sensível dificuldade por parte do Executivo vilhenense em aprovar importantes temas de sua agenda na câmara de vereadores. O que reforçaria o argumento acerca da fraqueza das legendas no plano local, num contexto de predominância dos interesses de grupos particulares. De fato, há uma certa insatisfação do presidente da câmara municipal, Samir Ali, com o seu correligionário, o prefeito delegado Flori. Para mencionar as dificuldades enfrentadas pelo Executivo, são vários os pedidos de urgência na tramitação de matérias negados pela câmara de vereadores, inclusive, em votações unânimes contrárias ao prefeito.

No início de junho, o presidente da câmara, Sami Ali (PODE), convocou os vereadores e cogitou a possibilidade de abertura de CPI contra o Executivo, com a justificativa de que algumas questões que estariam ocorrendo, consideradas graves, poderiam acarretar em abertura de uma CPI. Sami Ali frisou, de forma acentuada, a prioridade de diálogo entre os poderes, o que foi prontamente apoiado por outros edis. Dentre os mais diversos temas enfrentados pela atual gestão do delegado Flori, a questão da terceirização da saúde pode ser compreendida como o mais polêmico assunto, enfrentando atualmente problemas de judicialização. Numa outra sessão, realizada em 11 de abril, o vereador Ronildo Macedo, também do Podemos, e desafeto político de Sami Ali, levantou questionamento acerca da forma como o Executivo estaria tratando o tema, com gastos que chegariam a mais de R$ 72 milhões. Recentemente, o Ministério Público de Contas (MPC-RO) emitiu parecer manifestando preocupação com a questão da terceirização da Saúde em Vilhena.

No Podemos, apenas o vereador Dhonatan Pagani está um pouco mais alinhado ao prefeito. Macedo e Ali, inimigos políticos entre si, atuam mais como uma oposição ferrenha ao chefe do Executivo, do que como correligionários. Diante de um Podemos completamente desestruturado e, na maioria das vezes, opositor do próprio prefeito na câmara municipal, o PSD é uma possível força política que pode se apresentar como alternativa nas próximas eleições ao Executivo. O Avante se encontra dividido dentro do parlamento. Um caso curioso é o da vereadora professora Vivian Repessold (PP), opositora do atual mandatário do município, ela pode deixar o PP para se filiar ao PT com a promessa de ser candidata à prefeitura em 2024.

Some-se a esta conjuntura, o descrédito popular com a atual administração. Frequentemente o prefeito é considerado inábil nas relações com os vereadores e lideranças populares. Num momento de recomposição de forças, as dificuldades de traquejo político tendem constantemente a atrapalhar o atual mandatário. Todavia, no que diz respeito à corrupção, até o momento, não há nada que pese contra o chefe do Executivo. Importante ressaltar que sua eleição, deve-se, sobretudo, às expectativas da população de Vilhena no tocante às questões de transparência e moralidade, após anos de escândalos de corrupção e desmandos na administração pública que acarretaram uma situação de instabilidade política crônica no município.

Nesse contexto, a família Donadon pode ganhar politicamente, inclusive, com boas chances de retornar ao poder em 2024. Há também grandes possibilidades de uma mudança substancial no quadro partidário local com a janela partidária, no próximo ano. Cumpre mencionar que a cidade é reduto eleitoral do senador Jaime Bagattoli (PL), eleito em 2022 para o seu primeiro mandato. Milionário da soja e, até então, também outsider na política, Bagattoli é uma das maiores lideranças da direita bolsonarista rondoniense e um possível candidato ao governo estadual em 2026.

Diante do exposto, em Vilhena, sem dúvida, uma das questões mais instigantes se refere ao paradoxo entre caos político institucional e a pujança econômica da cidade. Uma das maiores economias do estado, vê perpetuar um quadro de crise política que se arrasta há cerca de uma década, agora, diante uma iminente paralisia decisória, decorrente, em larga medida, das dificuldades que o Executivo vem enfrentando diante do Legislativo.

Créditos da imagem:  Maelly Nunes/Rede Amazônica