Licença-paternidade no Brasil e a omissão do Legislativo Federal: velhos desafios e novas oportunidades
Michelle Fernandez e Ananda Marques
No Brasil, o tema do cuidado ainda está intimamente vinculado aos papéis desempenhados pelas mulheres na nossa sociedade. Nesse sentido, as necessidades básicas das crianças, principalmente aquelas que estão no primeiro ano de vida, são comumente atendidas pelas mães, na imensa maioria das famílias brasileiras.
A licença remunerada em função da chegada de uma criança é um importante mecanismo na dinâmica do cuidado. Nos debates da Constituinte, que deram origem à Constituição de 1988, tivemos muitas idas e vindas com relação à inclusão da licença paternidade, conhecida ferramenta que viabiliza a inclusão dos pais no processo de cuidado das crianças no pós-nascimento. A Constituição determinou, provisoriamente, que a licença paternidade teria 5 dias e que, a posteriori haveria uma regulamentação definitiva da referida licença. No entanto, 35 anos depois, não houve uma regulamentação sobre esse direito.
Em decorrência da ausência de regulamentação sobre a licença paternidade, em 2012, foi protocolada ação no Supremo Tribunal Federal, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), apontando a omissão do Congresso nesta matéria. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 20, a CNTS afirma que, apesar de a Constituição de 1988 ter previsto o direito à licença-paternidade, a medida nunca foi regulamentada em lei própria. Por esse motivo, continua existindo a licença de apenas 5 dias prevista no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).
Na última quarta-feira, 13 de dezembro, o STF retomou a votação, que já tem maioria para o reconhecimento da omissão do legislativo com relação a esse direito. Nesse contexto, o STF sugeriu prazo de 18 meses para a implementação definitiva da licença paternidade. Além disso, afirmaram que, em caso de omissão do Parlamento nesse prazo estabelecido, o próprio STF irá deliberar sobre a licença paternidade.
A inação do Legislativo Federal e os debates atuais realizados no STF colocam alguns questionamentos sobre a mesa: se é recomendável que um bebê tenha aleitamento materno exclusivo nos seis primeiros meses de vida, como é possível a manutenção de uma licença maternidade de 4 meses? Se já é corroborado por diversos estudos que há benefícios reais da presença do pai ao lado da mãe e da criança nos primeiros momentos de vida, como é possível a manutenção de uma licença paternidade de apenas 5 dias? Não é possível responder a essas perguntas de maneira simples. No entanto, é fato que há um descompasso entre as necessidades de cuidados e o ordenamento jurídico brasileiro.
Os estereótipos de gênero engendram as relações e as instituições de tal maneira, que em 1988 parecia razoável estabelecer uma licença para mães 24 vezes maior que a licença para pais. A decisão provisória dos constituintes pelos 5 dias e a omissão dos legisladores nos 35 anos que se passaram apontam para a naturalização da sobrecarga das mulheres na nossa sociedade, de forma geral, e com o cuidado das crianças, mais especificamente. Entretanto, o debate público mais recente sobre o tema tem pautado transformações. Esperemos que as medidas impostas pelo STF impulsionem o legislativo a incluir este tema na agenda de trabalho do parlamento brasileiro. Além disso, esperemos que o debate no Congresso sobre a licença paternidade seja pautado pelas responsabilidades compartilhadas entre homens e mulheres no cuidado às crianças
Os possíveis desdobramentos do julgamento no STF incluem além da discussão legislativa sobre o tema, o debate mais amplo por e para a sociedade. Espera-se que haja espaço para o diálogo com organizações e movimentos sociais, pesquisadores, ativistas e figuras públicas. Esta pode ser uma oportunidade para que o tema do cuidado alcance relevância para a opinião pública brasileira, com potencial para efetivar mudanças institucionais e comportamentais.
A baixa participação dos homens nas atividades de cuidados e os altos índices de pais que sequer registram seus filhos ao nascer alertam para uma realidade alarmante no Brasil. A partir dessa constatação, é inegável a necessidade de aperfeiçoar as políticas públicas de cuidados no país. Com o debate da licença paternidade no STF e o futuro debate sobre o tema no Legislativo, estamos diante de uma grande oportunidade para a priorização desta agenda.