Eleições 2024: breves reflexões sobre o tema comunicacional e o papel do sistema de justiça
Ana Claudia Farranha
Texto escrito em parceria com Fernanda de Carvalho Lage. Doutora em Direito (UnB) e Professora de Processo Civil e Prática Jurídica na Universidade de Brasília.
O Natal está chegando e, como sempre sucede nesta época, começamos a imaginar como poderá ser o ano que está por vir. Entre estas cogitações, não é demasiado incluir o fato de que, em 2024, teremos eleições municipais.
A população do Brasil chegou a 203,1 milhões em 2022, são os dados do Censo de 2022, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)[1]. Eram, em 2022, 5.570 municípios, e, desse total, quase metade (45%) tinha até 10 mil habitantes. Em 2.495 municípios viviam aproximadamente 13 milhões de pessoas, o que representa apenas 6% da população do país. Sendo que havia 1.324 municípios com até 5 mil habitantes. Ainda, segundo o IBGE, a maior parte da população (57%) se concentrava em apenas 319 municípios. Esses são indicadores importantes, pois nos oferece o quadro demográfico em que ocorrerão as eleições municipais de 2024.
O perfil das eleições municipais é peculiar: por mais que se queira “nacionalizá-las”, elas se referem, principalmente, às questões locais. A polarização reinante, experimentada nos últimos anos pela sociedade brasileira, poderá a ter um certo papel a desempenhar, mas o eleitorado sabe que as questões de moradia, transporte, educação, asfaltamento e iluminação das ruas são específicas de cada cidade. Isto para não falar em temas que nem sempre vêm à tona, mas deveriam vir, como o zoneamento urbano e o meio ambiente. Ou, de assuntos estaduais, como a segurança pública, que repercutem nas esquinas das ruas.
Assim, é não possível afirmar que as eleições municipais sejam menos acirradas. Ao contrário, grupos políticos de expressão local, famílias, oligarquias tradicionais lançam-se à disputa com tudo o que têm. A polarização local pode ser tão acirrada quanto esta que, no âmbito nacional, temos visto com frequência na esfera pública brasileira. . . Nessas campanhas, por óbvio, a internet mostra a sua força comunicacional, agregadora ou destruidora. As notícias falsas, as ofensas, as postagens maliciosas, o desvirtuamento de aplicativos de mensagem e de redes sociais, todo este arsenal também estará ao alcance de quem deles quiser fazer uso.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fixou alguns entendimentos que podem nortear a atuação para as próximas eleições. Entre eles, destacamos a decisão de que configura abuso de autoridade e uso indevido de meio de comunicação a transmissão ao vivo de conteúdo em rede social, no dia da eleição, contendo divulgação de notícia falsa e ofensiva por parlamentar federal, em benefício de seu partido e de candidato, sendo grave a afronta à legitimidade e à normalidade do pleito eleitoral[2]. Também, a orientação de que o uso de aplicações digitais de mensagens instantâneas, visando promover disparos em massa, contendo desinformação e inverdades em prejuízo de adversários e em benefício de candidato, pode configurar abuso apto a ensejar a cassação do registro ou do diploma, e a declaração de inelegibilidade do candidato[3].
Mas fica a questão: como atuarão a Justiça Eleitoral e o Ministério Público Eleitoral, as instâncias de controle de abusos, responsáveis pela proteção da higidez das eleições? Desta vez, a competência será dos juízes e juízas eleitorais e dos promotores e promotoras de Justiça Eleitoral. Aos primeiros, competirá o exercício do poder de polícia, bem como o julgamento das ações e representações que forem propostas. Aos segundos, caberá ouvir os eleitores e, de forma apartidária, ajuizar as demandas imprescindíveis para que as regras comuns sejam respeitadas.
Vimos, em eleições passadas, o TSE atuar fortemente na defesa da democracia, até mesmo sem provocação das partes e do Ministério Público. Tal conduta mostrou-se especialmente forte diante da divulgação de notícias falsas e descontextualizadas, de modo sistemático, nas redes sociais.
O conceito de “democracia militante” (ou democracia defensiva) pareceu autorizar essa postura da Justiça Eleitoral, mas é tempo de remarcar seu caráter excepcionalíssimo. Será que, também nas eleições municipais, terão os juízes que atuar de ofício, desafiando os limites de seu poder de polícia? Ou, os partidos e candidatos, terão um maior poder de conter excessos e mentiras? Atuará o Ministério Público, como se espera, sem omissões injustificáveis?
Entre tantas questões, no tema comunicacional, a atuação do sistema de justiça nas próximas eleições parece que será como se diz na gíria “um tema quente”. E, em sendo assim, desejamos que a nossa democracia, sempre em processo de fortalecimento, saia vitoriosa com perspectiva que tragam respostas aos inúmeros problemas enfrentados no âmbito municipal. Nosso desejo para fechar esse último artigo é que a luzes do Natal ampliem a compreensão política e que a luta democrática que será travada no próximo período traga dias melhores a toda gente que vive nas cidades deste país.
Felizes Festas!!
[1] IBGE, Agência de notícias. De 2010 a 2022, população brasileira cresce 6,5% e chega a 203,1 milhões, 28 jun. 2023. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/37237-de-2010-a-2022-populacao-brasileira-cresce-6-5-e-chega-a-203-1-milhoes>. Acesso em: 15 dez. 2023.
[2] Recurso Ordinário Eleitoral n. 0603975-98.2018.6.16.0000/PR, Curitiba-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 28.10.2021.
[3] Ação de Investigação Judiciária Eleitoral (AIJE) n. 060196880, Rel. Min. Luís Filipe Salomão, Brasília-DF, j. 28.10.2021.