“Para não dizer que não falei de flores”: a lei da anistia por conveniência?
Luciana Santana
A lei da anistia entrou em vigor no final da década de 1970, mais especificamente em 28 de agosto de 1979. Com a assinatura do então presidente João Baptista Figueiredo, a lei possibilitou o retorno de pessoas exiladas e a libertação de presos políticos ocorridas com base nos Atos Institucionais (AI) decretados ao longo da ditadura civil-militar instaurada no país em março de 1964, em especial o AI-5.
Apesar de ter sido redigida no âmbito da presidência da república e aprovado pelo Congresso, foi fruto da mobilização e pressão de parte da sociedade civil, que reivindicava de forma insistente uma anistia geral, ampla e irrestrita para os que tiveram seus direitos violados pelo regime autoritário marcado por amplas restrições à liberdade da população, intensa repressão aos opositores e censura.
A aprovação da Lei de Anistia foi considerada importante no período de abertura política e para o fim da ditadura, mesmo sendo restritiva e controversa. A mesma lei que “perdoou” vítimas, manteve presas pessoas rotuladas como “terroristas” e deixou impunes os próprios agentes da ditadura que cometeram violação dos direitos humanos, os mesmos que sequestraram, cometeram torturas e mataram pessoas sem qualquer possibilidade de defesa.
Todavia, em algumas situações a lei é clamada, por pura conveniência e casuísmo, como ocorreu no ato do último dia 25 de fevereiro, convocado por Jair Bolsonaro (PL) e pelo pastor evangélico Silas Malafaia. Na ocasião, o ex-presidente, defensor ferrenho dos governos militares da ditadura e crítico dos militantes de esquerda anistiados pela Lei, disse que buscava “passar uma borracha no passado” e fez um pedido público para os parlamentares perdoarem os envolvidos nos atos criminosos contra os três Poderes no dia 08 de janeiro de 2024, nas palavras do ex-presidente, a anistia seria “… para que seja feita justiça no nosso Brasil”.
Projetos já existem como os que foram apresentados na Câmara dos deputados pelos deputados Alexandre Ramagem,Cabo Gilberto Silva, Major Vitor Hugo e José Medeiros, todos do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro. No Senado, em outubro de 2023, o ex-vice presidente e atual senador, Hamilton Mourão (Republicanos) apresentou um projeto nessa mesma linha, no qual justifica que os órgãos de persecução penal são incapazes de individualizar e provar as condutas específicas dos crimes praticados. O projeto está sob a relatoria do senador Humberto Costa (PT), na Comissão de Defesa de Democracia. Há ainda uma proposta de PEC elaborada por 29 senadores bolsonaristas que, além da anistia, pretendem beneficiar o ex-presidente, Jair Bolsonaro com a restauração dos direitos políticos dos cidadãos declarados inelegíveis em qualquer ato relacionado às eleições de 2022. A despeito das baixas chances de serem aprovados no Congresso, esses projetos não deixam de ser ações previsíveis no âmbito parlamentar, como forma de prestação de contas para suas bases eleitorais bolsonaristas.
Seja como for, “para não dizer que não falei de flores”, seria cômico se não fosse trágico, voltarmos a falar da Lei de Anistia em um contexto que envolve pessoas que defendem e tem nostalgia dos governos militares, que são contra aqueles que receberam anistia da ditadura de 1964 e que nem aceitam um resultado eleitoral…