Bets, beijos e selfies
Carolina Corrêa
“Ganhe R$ 20 mil em dois cliques!”, disse o influenciador digital. Os rostos são jovens, os fundos são coloridos e o tom é de quem descobriu um segredo precioso — e quer compartilhar com você (mas não de graça, claro!). O que está por trás disso? Apostas [esportivas] online. Em menos de dois anos, as chamadas “bets” saíram do submundo digital para ocupar espaço constante nos intervalos da TV aberta, uma dor de cabeça para famílias brasileiras e até pauta no Congresso.
O fato é que os jogos de azar online, popularmente conhecidos como “bets” ou “jogo do tigrinho”, têm se disseminado rapidamente no Brasil, impulsionados por campanhas publicitárias massivas e pela promoção feita por influenciadores digitais. Essa combinação levou a um aumento expressivo no número de apostadores — muitos dos quais passaram a comprometer uma parte substancial de sua renda nessa atividade. Uma pesquisa do Procon-SP revelou que 48% dos apostadores já comprometeram boa parte de sua renda com apostas online, levando-os a contrair dívidas ou utilizar recursos destinados a outras finalidades.
Para investigar esse fenômeno, foi criada a CPI das Bets. O objetivo é analisar como esses jogos virtuais impactam o orçamento das famílias brasileiras, apurar possíveis vínculos com organizações criminosas e entender o papel dos influenciadores digitais na promoção dessas práticas.
No curso dos trabalhos da comissão, a influenciadora Virginia Fonseca foi convocada a depor. Sua convocação se deu pelo fato de promover uma plataforma de apostas cuja remuneração dos “criadores de conteúdo digital” estaria atrelada às perdas dos usuários — modelo apelidado por parlamentares de “cachê da desgraça alheia”.
Ainda que o tema exigisse seriedade absoluta, o depoimento de Virginia transformou-se em espetáculo — no sentido mais pejorativo do termo. Alguns parlamentares riram, tiraram selfies com a influenciadora, pediram que ela mandasse beijos e abraços para as filhas e desrespeitaram o ambiente da comissão, onde se esperava rigor e responsabilidade. Enquanto isso, a discussão crítica sobre o impacto social das apostas ficou em segundo plano. Foi um show que, para além de patético, expôs o despreparo do Poder Legislativo para lidar com um problema crescente.
Essa postura dos parlamentares na audiência revela muito sobre a posição quase intocável que os influenciadores digitais vêm construindo no Brasil. Com milhões de seguidores, tornaram-se peças-chave no marketing das casas de apostas, mas, ao mesmo tempo, se beneficiam da ausência de uma regulamentação clara e de um espaço público que ainda não sabe como cobrá-los com rigor e responsabilizá-los pelos seus atos no ambiente digital.
O caso também nos convida a refletir sobre o próprio tema da CPI: o fenômeno das apostas online vai muito além do mero “jogo de azar”. Diferentemente de modalidades tradicionais como a Mega-Sena, essas plataformas utilizam a gamificação — a fusão entre jogo e aposta —, o que torna o vício mais fácil e acelerado, especialmente entre os jovens. Sem uma regulamentação específica para a publicidade dessas plataformas, é difícil proteger os cidadãos, especialmente os mais vulneráveis a esse tipo de conteúdo.
O problema se agrava com a prática de influenciadores digitais que promovem essas apostas sem informar os riscos envolvidos, muitas vezes prometendo ganhos rápidos e omitindo as consequências, o que pode configurar publicidade enganosa e abusiva. É preciso responsabilizar esses agentes, assim como as empresas que lucram com essa lógica, por uma divulgação mais transparente e ética.
Por isso, é urgente que o Congresso avance com regulamentações claras para a publicidade dos jogos de azar online e defina regras para a atuação dos influenciadores. Projetos de Lei (PL 3563/2024, PL 3405/2023, PL 3915/2023) já em tramitação buscam restringir esse tipo de publicidade, atribuindo responsabilidades legais e financeiras aos influenciadores que promovem apostas não regulamentadas, além de exigir contratos claros que estipulem os limites e as obrigações dessas parcerias. Ainda assim, a força do lobby milionário das bets levanta dúvidas sobre a real disposição do Congresso em fazer essas iniciativas avançarem.
O episódio da CPI das Bets mostra que, sem mudança institucional e cultural, o problema tende a se agravar. É fundamental que o Congresso não se transforme em palco de espetáculos vazios, mas cumpra seu papel de fiscalizador e regulador — protegendo os cidadãos e garantindo que a influência digital seja exercida com responsabilidade. Afinal, trata-se de um desafio que envolve saúde pública, economia e a própria integridade do espaço público.