João Paulo Viana e André Luiz Coelho

A eleição para a presidência da Câmara dos Deputados realizada nesta segunda feira, dia 01 de fevereiro, ocorre num momento crucial para a democracia brasileira. Com o país devastado pela pandemia, com cerca de 230 mil mortos e com enormes problemas econômicos e sociais que se aprofundaram nesse período, a disputa pela cadeira ocupada atualmente pelo deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) torna-se ainda mais relevante, principalmente, numa conjuntura na qual se multiplicam os pedidos de impeachment do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Até o momento, Maia recebeu mais de 60 solicitações de abertura de processo de impedimento contra Bolsonaro. Certamente, esse será um tema candente para a próxima presidência da casa.

Ao todo, nove nomes se apresentaram à disputa. Não obstante, apenas dois deputados se estabeleceram como favoritos ao cargo. Arthur Lira (PP-AL) e Baleia Rossi (MDB-SP). Lira, desde dezembro do ano passado, era o candidato oficial do Palácio do Planalto. E Rossi o nome escolhido pelo bloco liderado por Rodrigo Maia. Apesar de não se posicionar como oposição ao Executivo, a candidatura do emedebista Baleia Rossi tem como principal bandeira a maior independência do Parlamento.

Embora por vezes contraditória, a gestão de Rodrigo Maia, em boa medida, conseguiu desenvolver uma relação de contraponto frente ao Executivo. Em diversas ocasiões, Maia imprimiu uma postura de maior independência, se posicionando contrário aos arroubos autoritários e à agenda ultraconservadora de Bolsonaro e, também, de seus ministros do governo, servindo como uma espécie de anteparo institucional ao presidente. Foi assim em votações importantes como o auxílio emergencial, o Fundeb, e em posições críticas aos desmandos do ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, além dos seguidos episódios diplomáticos desastrosos desempenhados pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.  Essa atuação mais incisiva na relação de freios e contrapesos exercida pelo Legislativo em relação ao Executivo é de fundamental importância à democracia, principalmente em tempos de flertes autoritários.

Por outro lado, a gestão de Rodrigo Maia não representou uma oposição de fato ao governo Bolsonaro, nem mesmo no auge da crise do presidente com o Parlamento, no ano passado. Maia optou por não aceitar nenhum dos mais de 60 pedidos de impeachment de Bolsonaro e tampouco patrocinou qualquer grande derrota ao governo, enquanto Bolsonaro trabalhou abertamente para o enfraquecimento do então presidente da Câmara. Contudo, cabe dizer que o Executivo não obteve sucesso em sua agenda legislativa até hoje muito mais por sua deliberada estratégia de ruptura com o chamado “presidencialismo de coalizão” do que pela ação de Maia ou do bloco de oposição de esquerda que, minoritário e dividido, não conseguiu imprimir derrotas significativas ao governo.

No entanto, a tal “nova política” tão alardeada por Bolsonaro em sua campanha e nos primeiros meses de sua administração já caducou. A estratégia do governo para assegurar a eleição do aliado Arthur Lira na presidência da Câmara foi abrir o balcão de negócios de cargos e verbas milionárias em troca de apoio político. Podemos ver a vitória de Lira, talvez, como a capitulação do governo Bolsonaro ao fisiologismo inerente a boa parte do Congresso. Mais do que uma vitória de Bolsonaro, é a vitória do chamado “Centrão”, que na verdade deveria ser chamado mais de “Direitão” por conta da afinidade ideológica desses deputados a pautas econômicas de direita e conservadoras no campo dos costumes.

Entretanto, o sucesso de Lira não significa necessariamente que o governo Bolsonaro irá surfar em ondas tranquilas nos próximos dois anos. A distribuição de cargos e verbas deve continuar até 2022 para que a nova estratégia de Bolsonaro seja vencedora. Porém, em uma situação de grave crise política e econômica, agravada ainda mais por conta da pandemia de Covid19, os recursos a serem distribuídos são, supostamente, finitos. Os atuais apoiadores de Bolsonaro podem migrar para a oposição caso suas demandas (que devem ser cada vez maiores com o passar do tempo) não sejam atendidas.

Dessa maneira, o novo presidente da Câmara possui muitos desafios. O principal deles é manter a autonomia do Legislativo frente ao Executivo, exercendo seu papel de fiscalizador dos atos do presidente, principalmente aqueles de baixa reserva institucional. O segundo é agir da melhor maneira possível para mitigar os efeitos da pandemia no contexto da crise profunda que vivemos nesse momento, com milhões de desempregados e famintos em busca de melhores condições de vida. No cenário contemporâneo, salvar vidas significa defender o SUS, a ciência e a vacinação irrestrita para toda a população. Resta saber se o novo presidente da Câmara escolherá o melhor para os brasileiros ou o alinhamento incondicional ao governo Bolsonaro.