O novo anormal no Congresso
Graziella Testa
Demorou, mas aconteceu. Na semana passada saiu o Projeto de Resolução que regulamentou o funcionamento remoto das comissões, as quais ficaram fechadas em 2020. A decisão trouxe temas incluídos às pressas por meio de emenda de Plenário e é controversa. O sistema adotado para as reuniões deliberativas será híbrido: “conciliarão participação presencial e remota, devendo o registro de presença e o resultado de votação serem exibidos de forma integrada e simultânea nos painéis físicos e no aplicativo”.
No entanto, nem todos os trabalhos das comissões serão no sistema híbrido. As audiências, que são convocadas por um ou mais membros da comissão, sendo momentos de trazer especialistas e lideranças da sociedade para compartilhamento de conhecimento técnico e enriquecimento do debate em torno da proposição em questão públicas, serão completamente virtuais. O propósito das audiências, como já diz o nome, é que os parlamentares escutem os cidadãos e especialistas para poderem tomar uma decisão melhor embasada e participativa.
Vale lembrar que hoje já não é requerida a presença dos parlamentares. Os deputados são obrigados a comprovar com suas digitais o comparecimento nas reuniões deliberativas de comissões, mas a mesma exigência já não era requerida para as audiências públicas. Dessa forma, é comum que as audiências públicas tenham apenas um ou dois parlamentares presentes, além dos convidados e membros da sociedade civil. Isso enfraquece o instrumento e torna inócuo o objetivo da sociedade ser ouvida nesses momentos pelos representantes.
Agora, as audiências públicas sequer terão reserva de sala para seu funcionamento, ocorrerão apenas de forma on-line. A norma ainda deu preferência a que elas aconteçam segunda e sexta, dias em que o Congresso costuma ter quórum muito baixo, reservado para reuniões nos estados e deslocamento até Brasília. Na prática, as audiências públicas não gozam mais da prerrogativa de ocupar uma dos plenários das comissões e perdem o “status” de reunião da comissão. O ponto não foi contestado e não houve qualquer emenda no sentido de modificar essa orientação.
Uma outra questão, contudo, foi incluída por meio de emenda de Plenário. Passam a poder participar presencialmente das reuniões das comissões representantes de organizações e entidades. São profissionais de relações governamentais, advocacy e lobistas. Na prática, antes do distanciamento social imposto pela pandemia, era comum que esses representantes assistissem aos trabalhos ainda que não tivessem direito a voz ou voto. Agora, essa presença passa a ser oficial e isso ocorre de forma concomitante à restrição das audiências e do número de presentes para evitar a transmissão do vírus.
A pandemia restringiu acessos e confrontou prioridades da sociedade em diversas dimensões. Houve lugares onde se permitiu o funcionamento de shoppings, mas as escolas permanecem fechadas. Houve locais onde se permitiu a abertura de academias de ginástica, mas creches permanecem fechadas. O nosso Parlamento, por sua vez, escolheu ouvir menos a sociedade de forma oficial por meio das audiências públicas, mas considerou razoável aproveitar o momento para inserir representantes de organizações e entidades nas reuniões e no processo decisório.