Bruno Souza da Silva

Se começarmos a refletir sobre os problemas que enfrentamos atualmente como sociedade, no contexto da pandemia, veremos que há pontos problemáticos anteriores a ela, difíceis de serem traduzidos para muitas pessoas.

Sobretudo as que desconhecem, profundamente, o Estado e tudo a ele associado em termos de política. Desconsiderando a dimensão ideológica de muitos, é facilmente constatado que Bolsonaro é um presidente fraco politicamente, mas como outro qualquer, é forte institucionalmente. Todos os presidentes pós-1988 dispuseram (e ainda dispõem) de um conjunto de poderes que lhes permite levar adiante a sua agenda. Para quem entende pouco de funcionamento institucional, a fim de deixar mais claro, o presidente possui poder de agenda. Determina o que será votado e quando será votado no Congresso. Nunca é demais nos lembrarmos do fato de o principal legislador brasileiro ser o Executivo. Portanto, qualquer minoria no Legislativo não é capaz de lhe dar tanta dor de cabeça porque o presidente controla o orçamento, pode solicitar urgência em projetos ou editar Medidas Provisórias (MPs). Ou seja, ainda que aos trancos e barrancos, um governo fraco, governa.

De semelhante modo, os líderes partidários no Congresso também possuem poder de agenda. Por isso se aproximar dessas lideranças é tão importante para o ocupante da cadeira presidencial. Significa construir um ambiente político onde haja pré-disposição a negociar os pontos centrais da sua agenda, sobretudo por conta de nenhum partido, sequer, ter condições de formar sozinho maioria. O governo, comumente, quer levar sua agenda política nacional adiante. O Congresso, por sua vez, quer participar da formulação dessa agenda, colaborar na sua condução e influenciar nas prioridades de investimento e alocação de recursos para políticas e serviços públicos. É o jogo da política.

O problema é que, mesmo antes de assumir, Bolsonaro jamais teve uma agenda ampla e suficientemente clara de políticas públicas a serem levadas adiante. A quem for cético, basta ver seu plano de governo de 2018 que liga absolutamente nada a lugar nenhum.[1] Sua agenda, quando muito, restringe-se à mobilização do desejo antipolítica muito latente na sociedade brasileira, a qual se aproveitou, na esteira da Lava Jato, a identificá-la com o antipetismo. Adicione-se a isso um verniz conservador e a ligação com certos setores religiosos e eis que temos o caldo do bolsonarismo. Em outros termos, Bolsonaro chegou à presidência como antítese do sistema ao se vender como um outsider, embora esteja na política há cerca de três décadas e tenha atuado, enquanto parlamentar, de modo corporativista em relação aos interesses de parte das forças armadas e policiais. Sua produção legislativa e atuação pública sempre foram patéticas.

As negociações recentes que temos acompanhado junto ao chamado “centrão” só mostram o desejo do governo em conseguir cumprir com algumas promessas esparsas feitas às suas bases eleitorais e que vinha encontrando entraves na presidência de Maia. Como a questão da maior flexibilização para a aquisição de armas e a desregulamentação de alguns aspectos do Código de Trânsito Brasileiro, para ficarmos em poucos exemplos. Mas Bolsonaro é fraco politicamente, não ingênuo. Sabe da importância social de manter a proximidade com setores conservadores para criar a narrativa religiosa que endosse o apoio a seu nome calcado em um suposto “purismo moral cristão” o qual procura extrapolar para a realidade política ao dizer que não é corrupto. Do mesmo modo, entende que o desgaste de sua popularidade em virtude do ápice dos efeitos negativos da pandemia não poderá ser revertido sem uma vacinação rápida e eficiente. No entanto, há aqui novo problema: Bolsonaro não preparou o Estado para imunizar o país a tempo. Na realidade, sequer reconheceu, de fato, o tamanho da crise pandêmica. Por isso, como um juiz que aplica uma medida cautelar, precisa de soluções paliativas em outra ponta: a aprovação do Auxílio Emergencial.

Nesse sentido a narrativa é óbvia, fácil de entender e extremamente necessária no momento que enfrentamos: são milhões de desempregados no país e uma perda de emprego acelerada por conta dos efeitos da pandemia. Ainda que a contragosto do seu posto Ipiranga, Bolsonaro como qualquer outro político vive de voto, não de dar um afago no mercado e ganhar a simpatia de setores empresariais. Ele precisará de milhões de brasileiros no primeiro domingo de outubro de 2022.

Aliás, a tão propalada agenda de reformas é conversa para inglês ver. É preocupação secundária a essa altura do campeonato. A pandemia, ou ao menos seus efeitos imediatos, infelizmente, se arrastarão por longo tempo e, no ano que vem, até uma criança atenta ao noticiário sabe que o foco será as eleições. Por isso vale a pena abraçar Arthur Lira, Costa Neto, Gilberto Kassab, Ciro Nogueira, ou seja lá quem for o líder das siglas que formam esse bolo que atende ao nome de “centrão”. Há, no entanto, um detalhe importante: Bolsonaro quer sobreviver e tentar novamente a façanha de 2018 tendo como trunfo a pandemia, por mais paradoxal que possa ser. Vai insistir no discurso do caos econômico provocado por quem teve que ser o adulto da sala e tomar as decisões difíceis, como as de endurecimento do isolamento social ao longo do pandemônio. Bolsonaro torce dia a noite por uma – quem sabe? – candidatura de Lula e o esfacelamento de uma candidatura de centro. De preferência dividida entre Huck, Moro, Luiza Trajano ou o Ribamar da esquina. Tanto faz o nome. Afinal de contas, fragmentar as opções é o que importa pra ele. No mais, usará pesadamente a máquina estatal para agradar apaniguados políticos da ocasião a endossar o seu nome e arrumar um espacinho em uma sigla qualquer. O governo, a partir de Brasília, é cada vez menos Brasil. Fosse o contrário, teria enfrentado seriamente a gripezinha.

Enquanto isso seguimos assim aqui embaixo: sem uma agenda por quem ocupa a presidência, desunidos como cidadãos, mais egoístas em relação aos nossos interesses imediatos, carentes de um projeto nacional e descrentes na política. Há quem diga que esse é um país que vai dar certo. Dá para acreditar?