Luciana Santana e Elaine da Silva Gontijo

Com a mudança no comando da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados este ano, alterações no Regimento da Câmara dos Deputados (RICD), tema que já havia ocupado bastidores do legislativo federal, ainda na gestão de Rodrigo Maia (DEM), voltou a ser discutido por parlamentares afinados com o governo Bolsonaro. A proposta conta com apoio do atual presidente eleito, Arthur Lira (Progressistas).

Se à primeira vista pode-se ver uma vantagem em um desenrolar menos engessado ou demorado da apreciação de proposições legislativas, observando-se com mais profundidade percebe-se que tais alterações esbarram em princípios democráticos fundamentais, uma vez que tais recursos são essenciais para evitar que a maioria legislativa desconsidere as demandas e preferências das minorias.

O propósito dos que buscam a alteração regimental é dificultar a atuação dos partidos de oposição e, ao mesmo tempo, facilitar o andamento da agenda prioritária definida pelo Congresso Nacional e governo federal. Ou seja, propõe-se modificações para reduzir direitos de uso de recursos legislativos à disposição de minorias parlamentares para “protelar decisões e alterar condições de barganha em decisões de voto, sendo que ocorre principalmente em votações relativas aos procedimentos de deliberação” (Inácio, 2009). Em outras palavras, obstruir ou dificultar a aprovação de determinadas matérias legislativas.

As estratégias de obstrução parlamentar podem ocorrer por meio de pedidos de verificação de quórum, requerimentos de urgência, adiamentos de votação ou discussão, pedidos de destaque para votação de partes da proposição em separado, votação de artigos em bloco ou individualmente, ou ainda na apresentação de emendas. Traduzindo-se esse emaranhado de regras, a principal consequência de sua utilização é que as matérias levem um tempo maior para aprovação ou rejeição, com consequente alargamento das discussões e articulações, o que tende a permitir, em última análise, uma maior adequação dos textos finais.

Isso porque a ideia por trás da tramitação mais lenta de uma proposição é que se criem incentivos para a alteração do conteúdo das matérias em análise. Em especial na Câmara dos Deputados, o Plenário é um ambiente em que a atuação parlamentar individual é bastante limitada, seja em termos de fala ou contribuições de mérito. Caso tais instrumentos sejam retirados também das lideranças da minoria, o risco é de que a Casa torne-se apenas uma chanceladora da vontade do Executivo, sem a possibilidade de ajustes e melhorias.

Desta forma, a discussão sobre a capacidade do parlamentar de influenciar a agenda legislativa, em última instância, é uma forma de avaliar a responsividade dos parlamentares aos interesses de seus eleitores. Entende-se que se um parlamentar ou uma minoria de parlamentares tem pouca capacidade de intervir no processo decisório, possivelmente terão pouca oportunidade de vocalizar as preferências de seus eleitores, o que levaria  “uma ruptura no processo de representação, tanto de interesses quanto de opiniões e perspectivas” (Testa, 2011). Ou seja, a conclusão a que se pode chegar é de que o cerceamento da plena atuação da minoria levará a uma limitação da representação de parcela importante da população e de seus anseios.

Outro aspecto relevante a se considerar nesse contexto é a visibilidade que o processo de obstrução de matérias traz para temas que normalmente não teriam o mesmo apelo caso fossem aprovadas “às pressas”. Por vezes, questões que passariam despercebidas para o grande público tornam-se conhecidas em virtude da insistência da minoria em sua complexidade ou importância. Tomemos por exemplo a Reforma da Previdência. Por mais que o tema seja de grande relevo e tenha mobilizado a sociedade, algumas das especificidades só se tornaram possível devido ao processo de obstrução engendrado pela minoria.

Se tal visibilidade já seria desejável em tempos normais, imagine-se em tempos como os que temos vivido atualmente, em que a análise das proposições tem se dado apenas no locus do Plenário (virtual ou semi-presencial, modelo em que alguns parlamentares acompanham as discussões de casa e outros presencialmente). A expectativa é de que as comissões temáticas voltem às suas atividades, mas não é possível ter certeza de quando retornarão ao seu completo funcionamento. Até lá, as discussões de matérias complexas tem se dado apenas em uma arena. Não é possível prever qual seria o resultado de uma tramitação não apenas meteórica, mas limitada em termos de discussão e ajustes.

A principal queixa dos parlamentares que desejam alteração do regimento para limitação das possibilidades de protelação se dá em relação às sessões de votação. Atualmente, cada sessão tem no máximo seis horas de duração. Ao fim desse tempo, é preciso abrir uma nova, iniciando todo o rito novamente, que inclui verificar se há número suficiente de parlamentares no plenário, tempo para os deputados discutirem, líderes orientarem suas bancadas, etc. Defende-se hoje que a sessão só poderia ser prorrogada se o presidente considerasse necessário. Tal alteração restringiria o direito dos deputados de continuar o debate com o prolongamento da sessão e com o consequente retardamento da votação do tema em questão. Esta questão é objeto, por exemplo, do PRC 352/2018, de autoria do Deputado Pedro Cunha Lima (PSDB-PB).

É óbvio que não se pretende aqui afirmar que não há no regimento interno da Câmara ou do Senado espaços para melhorias ou alterações. No entanto, questiona-se a pertinência de limitações dos direitos das minorias no momento atual e com as motivações que se externalizam. O desejável em uma democracia é que os resultados políticos atendam os anseios de toda sociedade, não apenas as vontades da maioria. As oposições, mais do que nunca, devem participar ativamente do processo decisório, contribuir com a fiscalização dos atos e omissões do Executivo e com o fortalecimento das instituições.

INÁCIO, M. Mudança procedimental, oposições políticas e obstrucionismo na Câmara dos Deputados. In: INÁCIO, M.; RENNÓ, L. (eds.). Legislativo brasileiro em perspectiva comparada. Belo Horizonte: UFMG, 2009.

TESTA, Graziella Guiotti. “Quando eu chegar lá eu te conto”: atributos dos deputados que incluem itens na pauta do Plenário da Câmara. 2011. 82 f. il. Dissertação (Mestrado em Ciência Política)—Universidade de Brasília, Brasília, 2011.