João Paulo Viana e Raimundo França

Desde o início da presidência de Jair Bolsonaro, a negativa governista em aderir ao presidencialismo de coalizão acarretou inúmeras dificuldades à governança bolsonarista. O discurso da antipolítica logo encontrou forte resistência na relação Executivo-Legislativo, durante a presidência de Rodrigo Maia (DEM) na Câmara dos Deputados. Não obstante, os últimos episódios da politica brasileira mostram que Bolsonaro está cada vez mais acuado na relação com o Parlamento, fundamentalmente, com o “Centrão”, grupo político que parecia, no decorrer da campanha de Arthur Lira (PP) à sucessão de Maia, garantir sustentação, até de forma mais tranquila, ao governo no Congresso Nacional.

Ainda que controversa, a presidência de Rodrigo Maia, em larga medida, fez prevalecer uma relação de forte contraponto aos desmandos do Executivo. Em diversos momentos, Maia manteve posição contrária e de oposição a Bolsonaro. Foi assim em votações de grande relevância como o Fundeb e o auxílio emergencial. Além de encabeçar oposição e críticas ferrenhas a Abraham Weintraub e Ernesto Araújo, considerados pela opinião pública como péssimos ministros. Embora não tenha acatado os quase 60 pedidos de impeachment, Maia assegurou a efetivação da relação de check and balances, ou seja, os freios e contrapesos, inerentes à separação de poderes no sistema presidencialista, instituto de salvaguarda à democracia frente aos perigos autoritários, por diversas vezes, ensaiados pelo governo.

De fato, o presidente Jair Bolsonaro é um teste para qualquer marco civilizatório, porém, quando este marco civilizatório incide sobre os preceitos democráticos, esse teste parece ganhar dimensões mais sérias. Sob essa perspectiva, o Brasil democrático, pós 1985, nunca viveu uma experiência de uma agenda de governo radical à direita do espectro político que, mesmo tendo sido eleito democraticamente, ameaça constantemente a democracia com tentativas da instalação de um discurso e práticas de autogoverno, explicitado por medidas como o Decreto das Armas, controle das polícias militares e, por último, uma iminente tentativa de controle das Forças Armadas.

Como apontado anteriormente, as instituições, sobretudo, o Congresso Nacional e, especialmente, a Câmara Federal, nos primeiros dois anos do governo Jair Bolsonaro, foram imprescindíveis como contrapeso aos arroubos autoritários do presidente. Até mesmo quando aliado à agenda empreendida pelo Executivo, como por exemplo, a Reforma da Previdência, o Legislativo assumiu relevante controle de pontos importantes, retirando o protagonismo do Executivo. Foi assim também na aprovação do Auxílio Emergencial, cuja atuação da Câmara dos Deputados foi fundamental para o aumento do valor, à época, bem superior ao proposto inicialmente pelo governo. Até mesmo no Senado, presidido naquele momento por um aliado direto do presidente, o senador David Alcolumbre (DEM), o governo Bolsonaro sofreu duras derrotas, para citar aqui, na rejeição ao Decreto das Armas, a transferência do COAF para o Ministério da Justiça e o Sistema de Capitalização.

Importante mencionar que no período da Nova República, Jair Bolsonaro é o presidente que mais obteve vetos do Congresso Nacional, isto é, seus projetos e iniciativas foram vetados em função de natureza inconstitucional, ou por não apresentarem sintonia com o interesse público. Foram mais de 25 vetos recebidos ao longo dos dois primeiros anos de mandato.

Nos últimos dias, o posicionamento das presidências de ambas as Casas Legislativas demonstra que Bolsonaro não tem reinado em “céu de brigadeiro” em sua relação com o Legislativo.  Ainda que Rodrigo Pacheco (DEM) e Arthur Lira (PP), tenham, até o momento, mantido um posicionamento de cautela, inclusive, barrando o pedido de CPI da Covid-19, os presidentes de Câmara e Senado têm se reunido com governadores e empresários, apresentando severas críticas à postura negacionista de Bolsonaro em relação à pandemia, o que coloca, até mesmo, o debate acerca do impeachment presidencial no horizonte das possibilidades. Ademais, o acirramento da crise com os militares, a substituição de seis ministros na última semana, sem, contudo, agradar ao “Centrão”, pode ser o prenúncio de uma conjuntura ainda mais desfavorável ao governo nos próximos dias. Tudo isso aliado a recordes diários de mortes na pandemia, que supera 330 mil óbitos. Uma tragédia sem precedentes no país, que poderia, sem sombra de dúvidas, ter sido evitada pelo governo federal.

Em resumo, sob uma visão da Realpolitik, certamente, podemos afirmar que há um Parlamento atuante no Brasil. A depender da pauta ele pode exercer um papel de maior ou menor protagonismo. Todavia, quando o que está em jogo é o Estado Democrático de Direito, o Congresso Nacional tem se mostrado ativo e vigilante, desempenhando sua função de freios e contrapesos. Não obstante, é preciso agir ainda mais, principalmente, se o objetivo é salvar vidas e evitar uma tragédia ainda maior.