*Texto de autoria de Fábio França, Rafael Noguera, Clara Martins e Eduardo Almeida, pós-graduandos em Ciência Política pela FESP-SP com material construído na disciplina de Análise Política.

De acordo com o artigo 2º da Constituição Federal, “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. No entanto, a relação – muitas vezes conturbada – entre eles tem apresentado ruídos inerentes à disputa pelo protagonismo político no País. Pelo menos dois acontecimentos recentes evidenciam o que pode, de fato, contradizer a sugerida harmonia dos poderes.

Em julho de 2021, o presidente Jair Bolsonaro indicou André Mendonça, ex-Advogado Geral da União e ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal. Cabe, entretanto, ao presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ), Davi Alcolumbre, pautar a sabatina do indicado, o que até o momento não foi feito.

A questão é meramente política. O ex-presidente do Senado aproveita o poder que tem nas mãos para marcar terreno e recuperar um espaço político importante, que foi perdido após ter sido substituído por Rodrigo Pacheco na presidência da Casa. Além disso, especula-se que o nome do ex-AGU não tenha agradado ao presidente da CCJ, que está a se valer do tempo para forçar o presidente da República a indicar outro nome à vaga aberta em razão da aposentadoria de Marco Aurélio Mello.

Já em 8 de novembro de 2021, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, visitou o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux. Na pauta estava a decisão da ministra Rosa Weber de suspender os pagamentos de emendas do relator em meio às discussões da PEC dos Precatórios.

Lira já demonstrou, algumas vezes, que gosta de ter o controle total da situação. Desde o primeiro dia da atual legislatura, dá indícios de um comportamento autoritário, com ações controversas como alteração de regimento, votação a toque de caixa e pedidos de urgência nas pautas do dia. É visto como aliado de Bolsonaro, em especial na defesa da PEC dos Precatórios, medida considerada vital para que o governo federal consiga colocar em prática o plano do programa Auxílio Brasil. A atuação de Arthur Lira era tida como fundamental para a aprovação. Aliás, neste caso específico, o presidente da Câmara fez valer a prerrogativa que o cargo oferece para alterar, de maneira polêmica, a exigência da presença física dos deputados no plenário. Por meio de um ato publicado no Diário Oficial da Câmara momentos antes do início da votação, Lira permitiu que parlamentares pudessem participar à distância, contanto que estivessem em viagem oficial.

Esses dois acontecimentos indicam caminhos opostos na relação do Congresso com o Executivo. Por um lado, o presidente da Câmara dos Deputados defende a pauta apresentada por Jair Bolsonaro, pois Lira utiliza da influência de seu cargo para tentar rever uma decisão contrária ao interesse do Planalto. De outro, a postura do ex-presidente do Senado Federal revela um comportamento combativo em relação ao presidente da República – pelo menos nessa questão específica. No entanto, é necessário ressaltar que, embora a demora para o agendamento da sabatina não seja usual, Alcolumbre não tem nenhum prazo legal a cumprir.

Atuando de acordo com as regras do jogo, o comportamento dos caciques dos Poderes brasileiros demonstra que o jogo de xadrez político é peculiar e permite ações simultâneas a todo instante. Usam a força de seus cargos para ocupar espaços, marcar terreno e atingir objetivos. É política, gostem ou não.