Luciana Santana e Elaine da Silva Gontijo 

Já não é novidade para ninguém que a maioria dos parlamentares está nadando de braçada ao longo da gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL). A opção de não fazer coalizões governativas em 2019 já sinalizava que teríamos uma nova dinâmica na relação entre Executivo e Legislativo.

Com o início da pandemia, observamos um Congresso cada vez mais atuante em questões que deveriam pautar a agenda do Executivo. Rapidamente criou-se condições para que as decisões que dependiam do Executivo pudessem ser levadas adiante. Naquele momento, ficou evidente o protagonismo que o Congresso assumiria para liderar iniciativas importantes para minimizar os danos da Covid-19 no país. Quem não se lembra, por exemplo, como se deram as articulações para a aprovação do auxílio emergencial em março de 2020? Sabemos que em política não há vácuos. Se um ator não ocupar o seu espaço, ele será ocupado por outrem.

O histórico e as ferramentas institucionais disponíveis geravam uma expectativa de que o Executivo pudesse efetivamente ter dominância na relação entre os Poderes e comandar os rumos do país, seja pela proximidade com partidos de direita que têm sido popularmente conhecidos de “centrão”, ter conseguido eleger um aliado para a presidência da Câmara dos Deputados ou mesmo por ter a possibilidade de utilizar de forma hábil seus poderes de agenda e veto conferidos constitucionalmente. Apesar das condições favoráveis, isso não ocorreu, pelo contrário, o presidente fragilizou ainda mais frente ao Legislativo, tornando-se refém e omisso. Porém, talvez a mais chocante das “omissões” do atual governo em relação às suas prerrogativas tenha sido a forma como lidou com um dos principais ativos de um presidente na negociação de uma coalizão e na construção da agenda dos Ministérios: o orçamento.

O primeiro grande sinal de que não lutaria pela manutenção de suas prerrogativas orçamentárias se deu ainda em 2019, quando os parlamentares criaram – e aprovaram sem maiores dificuldades ou apelos do Executivo – a figura da “emenda de relator”. Este instituto permitia ao relator do orçamento destinar verbas no espaço que antes era destinado aos gastos discricionários dos ministros, numa clara passagem de poder de decisão dos gestores do Executivo para o Legislativo. À época, teria participado da decisão o próprio Ministro da Secretaria de Governo, que deveria, em tese, zelar pelos interesses legislativos do presidente.

As emendas de relator foram adotadas em definitivo, e permitem que deputados e senadores definam, com transparência questionável, o destino de recursos direcionados para ministérios e outros órgãos do governo. Somente em 2022, os parlamentares terão pelo menos 16,5 bilhões para alocar recursos com emendas do relator.

O Legislativo e o governo atual não têm se esforçado para alterar essa situação. Nem o pedido de suspensão da execução desses recursos, no final de 2021, pela ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber, e o pedido do STF para divulgação dos responsáveis pela indicação das alocações orçamentárias provocou mudanças substanciais. Pelo contrário, ambos, governo e presidentes das Casas Legislativas, trataram de criar normas que dessem certo ar de legalidade e moralidade à distribuição de recursos pela rubrica da emenda de relator.

Essa discussão tem desencadeado em vários questionamentos sobre a manutenção desta dominância do Legislativo frente ao Executivo para o “futuro”. Ou seja, o Congresso continuará dando as cartas sobre a distribuição dos recursos do orçamento federal nos próximos governos? Como ficará a execução das agendas dos próximos governos? Qual será o papel dos próximos presidentes?

Aquele ou aquela que assumir a cadeira de presidente em 2023 será obrigado a lidar, por pelo menos um ano, com reduzido valor discricionário para desenvolver as políticas públicas que pretender implementar. Observando esse fato, presidenciáveis de diferentes espectros ideológicos têm criticado o domínio do Orçamento pelo Legislativo e a falta de transparência na distribuição das emendas. Ao mesmo tempo, não há um movimento coeso das oposições para alterar essa situação.

A fala de Ricardo Barros (Progressistas) e de outras lideranças chamaram a atenção essa semana ao defender a maior concentração de poderes no Legislativo e contrariedade a qualquer recuo, mesmo com um novo governo, sugerindo, portanto, que as relações com o Executivo serão pautadas pelos interesses dos parlamentares – em detrimento de políticas públicas que deveriam ser desenhadas, desenvolvidas e executadas com este mesmo orçamento.

O que podemos esperar? O ano de 2022 não deve trazer muitas novidades e tudo deve se manter como está. O tema será explorado em campanhas eleitorais pelos presidenciáveis, mas não deverá ter muitas repercussões nas eleições para o Legislativo. A busca pela sobrevivência política em uma eleição, sem a possibilidade de coligações, passa pela liberação das emendas para as bases eleitorais. Nesse ponto precisamos concordar com o atual líder do governo na Câmara: não há razões para que os atuais parlamentares queiram voltar atrás nas mudanças ocorridas quanto às prerrogativas dos legisladores. Resta saber se haverá interesse da população em chancelar essa nova conformação de poderes.

Créditos na imagem: Senado Federal