Michelle Fernandez

Desde março de 2020, com o início da pandemia, o presidente Bolsonaro vem atacando medidas não farmacológicas de enfrentamento à COVID-19, como distanciamento social e uso de máscara, além de defender e utilizar dinheiro público com medicamentos sem evidência da sua eficácia, atrasar e desestimular a vacinação. O comportamento do presidente da República deu a tônica da atuação do Ministério da Saúde (MS) para encarar a emergência sanitária no país. Passamos a observar o MS se abstendo de atuar e, assim, deixando vago o seu lugar de coordenador do Sistema Único de Saúde. Sob esse cenário, e acusado internacionalmente de encabeçar uma das piores gestões da pandemia no mundo, o governo Bolsonaro começou a enfrentar na última semana de abril de 2021 uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado Federal.

Apesar da tentativa de frear os trabalhos da CPI, incluindo nas investigações as ações dos governos estaduais e municipais, até o presente momento as requisições de informações aprovadas se concentram na tentativa de identificar os erros da gestão Bolsonaro. Apesar de incluírem ofícios aos Ministérios Públicos estaduais e federal para que enviem cópias de inquéritos que envolvam o uso de verbas federais por governadores e prefeitos, o que está no centro do debate nas duas semanas de trabalhos na CPI é o processo de aquisição de vacinas pelo Governo Federal, a conduta negacionista do presidente e do seu governo, a defesa e adoção de medicamentos ineficazes e a ausência de um plano de comunicação.

Os depoimentos colhidos na CPI reafirmaram que a aquisição de vacinas não foi uma prioridade do Governo Federal em 2020. Diversas propostas de venda de vacina foram recebidas e muitas delas ficaram sem resposta por parte do Governo. De acordo com o dirigente da Pfizer que foi depoente na Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado, se as propostas da farmacêutica tivessem sido consideradas o Brasil estaria vacinando sua população desde dezembro de 2020.  Além da ineficácia e incompetência na compra de vacinas, a falta de organização e decisão política interferiu nas compras frustradas em pregão de insumos para a campanha, não havendo, por exemplo, uma compra planejada de seringas de alta precisão para o não desperdício de doses dos imunizantes.

Além do tema da vacina, a conduta negacionista do presidente tem sido salientada pelos depoentes que já passaram pela CPI. Está cada vez mais claro que a maior crise sanitária da história do Brasil vem sendo tratada com descaso pelo Governo Federal. O presidente da República minimizou desde o início a gravidade da pandemia classificando a COVID-19 como uma “gripezinha” e, dessa forma, menosprezando às mais de 430 mil vítimas fatais dessa doença.

Por fim, a questão da defesa e adoção de medicamentos ineficazes pelo Governo Federal é um tema que vem sendo bastante abordado na CPI nessas duas semanas de trabalho. Bolsonaro e sua equipe sempre difundiram medicamentos que se mostraram ineficazes contra a COVID-19 nos estudos que seguiram os padrões exigidos pela ciência – a cloroquina, a hidroxicloroquina e a ivermectina. Esses medicamentos foram incluídos em recomendações oficiais do Ministério da Saúde, além de serem enviados pelo Governo Federal para serem utilizados no atendimento às pessoas em diferentes municípios brasileiros. Em janeiro de 2021, durante a subida de casos e mortes no Amazonas, o ministério mandou 120 mil comprimidos de cloroquina ao estado além de uma equipe a Manaus para incentivar o uso dos medicamentos em unidades de saúde.

A coordenação institucional é muito importante quando tratamos do processo das políticas públicas.  Diante de um cenário de emergência sanitária como o atual, a coordenação institucional torna-se fundamental para o sucesso das políticas públicas de enfrentamento à pandemia. Uma coordenação adequada deve estabelecer meios que possibilitem a informação recíproca, viabilize a homogeneidade técnica de determinados critérios e facilite a ação conjunta de governos central e subnacionais no exercício de suas respectivas atribuições. Nesse sentido, fica clara a omissão deliberada do Governo Federal para o bom funcionamento do enfrentamento à pandemia no Brasil. Assim, os trabalhos da CPI até agora apontam para a responsabilização do Governo Bolsonaro com relação às consequências de suas ações durante a pandemia. Resta saber se isso será suficiente para que os responsáveis sejam punidos…