Joyce Luz

O mês de agostou começou com o noticiário anunciando que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Lula) teria bloqueado mais de 1,5 bilhão de reais do orçamento de 2023. Dentre os ministérios que mais teriam sido afetados pelo corte, estariam a pasta da Saúde com um bloqueio de 452 milhões de reais e a Educação com 332 milhões.

Primeiramente é importante aqui explicar o que é e como funciona o bloqueio de verbas. Comumentemente, todo bloqueio de recursos recebe o nome, na verdade, de contingenciamento. O contingenciamento, nada mais é do que o bloqueio das dotações orçamentárias aprovadas incialmente na Lei Orçamentária Anual (LOA). Tal procedimento é feito pelo Executivo com objetivo principal de assegurar o equilíbrio orçamentário, ou seja, equilibrar a execução das despesas e a disponibilidade efetiva de recursos.

Apesar de sempre gerar polêmicas e preocupações é necessário que entendamos com cuidado as motivações e timing sob os quais o contingenciamento acontece. Vamos a um exemplo prático para entender melhor o porquê do bloqueio de verbas acontecer. Pelas regras presentes na nossa Constituição, a Lei Orçamentária Anual (LOA) de um ano qualquer, deve ser planejada e aprovada sempre no ano anterior. Isso significa afirmar que todo o planejamento do uso das receitas da LOA de 2023 foi estabelecido durante 2022. Nessa breve exemplificação nós já conseguimos extrair algumas implicações importantes e às quais devemos ficar atentos.

A primeira dessas implicações é que em 2022, o Brasil era administrado por outro presidente, com outro direcionamento político. Isso nos indica que todo o orçamento de 2023, planejado ainda em 2022, possivelmente contava com a expectativa de o resultado das eleições manterem o poder outrora vigente. Assim, não é incomum que na passagem de um ano eleitoral para o início de um novo mandato, o orçamento planejado não esteja de acordo com as novas diretrizes políticas do país. E quando isso acontece, mais comum ainda é que o novo presidente eleito realize contingenciamentos ao longo do ano para adequar o orçamento que foi planejado, sob nova realidade e plano político distinto.

Assim, no primeiro ano de mandato do presidente Lula, podemos esperar que ele realize, sim, alguns bloqueios e cortes de verbas para adequar as receitas disponíveis com as políticas novas que o governo traz. E isso não é uma característica única do atual governo. O mesmo aconteceu com a passagem do governo de Fernando Henrique (PSDB) para Lula (PT) em 2003, de Lula para Dilma Roussef (PT) em 2011, em 2016 com Michel Temer (PMDB) assumindo a presidência após o impeachment de Dilma e em 2019 com a passagem de Temer para Jair Bolsonaro (PL).

A segunda implicação é que no decorrer de um ano de execução do orçamento, muitos eventos podem afetar direta ou indiretamente os planos de gastos do Poder Executivo. Um exemplo clássico e recente foi a pandemia da Covid-19. O orçamento planejado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2019, nem em sonho contava com a pandemia que afetaria o mundo todo em 2020. Não era possível prever que o governo precisaria de recursos, por exemplo, para criar o auxílio emergencial que foi distribuído para a população mais vulnerável e afetada pela pandemia. E de onde veio esse dinheiro? Com certeza do bloqueio de verbas de algum outro ministério que precisaram ser realocadas para este gasto.

Pouco sabemos sobre as surpresas que 2023 nos reserva. Mas mesmo que tais surpresas não apareçam, o governo Lula já tem motivos que justificam, ao menos por ora, a realocação e bloqueio de verbas. Estamos no início de um novo mandato, com uma agenda que estabelece o retorno e a criação de novas (e antigas) políticas públicas importantes para a sociedade. Assim, até o momento, é normal que o governo realize esses ajustes nas contas.

Mas é importante deixar aqui registrado os momentos em que o contingenciamento de verbas acontece merece a nossa devida atenção: ao final de todo ano orçamentário e quando o andamento de políticas públicas tem a eminente ameaça de ser paralisado. Sempre que um bloqueio de verbas é realizado, o Presidente tem até o final do ano para repor ou descongelar os recursos de um ministério ou de uma política específica. Logo, é importante nos atentarmos para essa reposição atrelada às políticas que correm o risco de serem descontinuadas pela falta de recurso. Se com o contingenciamento uma política pública ou programa pode deixar de ser colocada em prática no dia seguinte, então temos um sinal vermelho e motivos para acreditar de que o governo deve estar fazendo contas erradas, está desinteressado por alguma política vigente ou, até mesmo, está agindo de má fé.

Enfim, esse texto não é uma defesa aos atuais contingenciamentos que o atual governo tem realizado. Esse texto é um sinal de alerta para que possamos entender melhor quando devemos nos preocupar e agir para que políticas não sejam simplesmente descontinuadas.